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A Guerra dos Sexos | Crítica

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Feminismo puro, positivo, sutil.

A Guerra dos Sexos narra os acontecimentos que levaram a tenista americana Billie Jean King, a disputar a histórica partida contra seu compatriota Bobby Riggs, em um jogo cercado de interesses comerciais mas, principalmente, de ideais sociais que transformaram o evento em algo muito além de uma simples partida de tênis.

Billie Jean (divinamente interpretada por Emma Stone numa atuação forte e imersiva) é uma tenista de sucesso, franca defensora da igualdade feminina em uma época onde o grito do movimento feminista era sufocado por uma sociedade massivamente machista. Isto, porém, jamais inibiu Billie Jean, que chegou a romper com a Associação Americana de Tênis e, com o auxílio de outras tenistas, criou uma liga própria, como forma de pressionar a Associação a pagar prêmios iguais para homens e mulheres. Curioso como evoluímos pouco da década de 70 para cá neste quesito, já que ainda hoje a busca pela igualdade na remuneração entre homens e mulheres ainda é motivo de protestos fervorosos.

A atuação acima da crítica de Emma valoriza os pontos necessários na personalidade de sua personagem para sintetizar os discursos e dilemas apresentados no filme. Billie não é uma defensora extremista da causa, mas uma defensora ferrenha, alguém que não enxerga nenhum desmerecimento no sexo feminino em relação ao masculino e não ficará de braços cruzados somente por que a sociedade assim a considera. O filme defende o ponto de vista do feminismo de maneira clara, não levanta a bandeira do empoderamento feminino de maneira extremista, mas intimista e, sobretudo, humana o quanto este empoderamento é necessário.

Emma Stone, à esquerda, interpretando Billie Jean King, à direita.

Enquanto a protagonista questiona sua própria sexualidade e o dilema moral entre a liberação do desejo, também questiona a manutenção do seu casamento com o compreensivo e dedicado, Larry, perante a sociedade. Tudo tratado de maneira sensível, verdadeira e respeitosa, com uma trabalho de elenco incrível ao apresentar um complicado triângulo amoroso composto por Billie, seu marido Larry (Austin Stowell) e a cabeleireira Marilyn (Andrea Risoborough). E, tudo isso, ganha ainda mais ênfase com o excelente desempenho de Emma (uma indicação a Melhor Atriz por este trabalho não seria nenhuma injustiça).

Já Bobby Riggs (Steve Carell) é um caso à parte. Tenista aposentado, Riggs vive uma crise grave em seu casamento e, amargando uma vida quase auto-destrutiva, dedicada a jogos de azar e a comportamentos irregulares. Exemplificando as dificuldades de recolocação e adaptação de um atleta de renome após o fim da carreira, não conseguindo dar um novo sentido à vida longe do esporte. Machista convicto Riggs vê uma oportunidade não só de resolver seus sérios problemas financeiros mas de, principalmente, voltar aos holofotes da fama armando um jogo contra Billie Jean King, famosa não só pelo incontestável talento e pelo currículo recheado de títulos importantes, mas pela liderança na busca da igualdade feminina.

Steve Carell pode perfeitamente ser considerado um dos mais expressivos e competentes atores de sua geração e faz jus a estes predicados com sua atuação quase irretocável. Longe de ser uma pessoa ruim, o Riggs de Carell é um fruto de um sistema e de uma sociedade que apresentaram somente uma maneira obtusa e preconceituosa de enxergar o sexo oposto. Um homem que busca seu lugar num cenário onde não é mais relevante. Nem seu histórico vitorioso do passado, nem seu poder financeiro, todos obliterados pelos hábitos desregrados.

Carell na pele de Bobby Riggs.

Se para Riggs a partida contra Billie Jean foi a oportunidade de ouro para voltar a estar em evidência, para Billie Jean era quase uma batalha de vida ou morte, uma vez que sua derrota poderia significar um duro golpe para o feminismo e a soberania de um falso conceito de supremacia masculina, presente em todos os seguimentos desde as notícias nada imparciais da imprensa até as tentativas de manipulação do meio organizador. Se trata de uma história real que o filme retrata com muita propriedade, sem agressividade, mas com a firmeza e a clareza de quem quer contar uma história, mas sem rodeios para tratar de pontos, até certa parte, delicados ou apresentar cenas que ainda hoje podem causar desconforto (e certas vezes o fazem) a um determinado público.

No elenco cabe ainda destacar a performance de Bill Pullman na pele do mandachuva da Associação de Tênis Americano, Jack Kramer. Cínico, manipulador e especialmente machista, Kramer esconde atrás de um sorriso agradável e gentil, um desagradável cinismo de uma figura que representa o bloco opressivo de uma sociedade que teima em insistir em ideias retrógradas de super valorização do gênero masculino em detrimento do feminino. Kramer é um sujeito poderoso e manipulador, e seus diálogos com Bilie Jean são sempre carregados de tensão e ironia, com uma agressividade velada em ambas as partes.

Bill Pulman como o mandachuva da Associação de Tênis Americano, Jack Kramer.

Por falar nos diálogos, sua construção é cuidadosamente elaborada, valoriza os personagens e sua respectiva situação vivenciada em cena, mesmo em momentos delicados, o discurso deixa seu recado de maneira clara, mas nunca agressiva, através do embate emocional, filosófico e ideológico dos personagens.

A trilha sonora assinada por Nicholas Britell é muito escolhida e inserida, aliada a beleza da fotografia, e a boa escolha de figurino garantem a ambientação da audiência aos saudosos anos 70, época em que se passa nossa história.

Assinam a direção Valerie Faris e Jonathan Dayton com o roteiro escrito por Simon Beaufoy. A dupla de diretores se notabilizou pelo excelente Pequena Miss Sunshine (2006), já Beaufoy tem em seu currículo um Oscar de Melhor roteiro adaptado por Quem quer ser um milionário (2008).

A Guerra dos Sexos
  • Direção
  • Elenco
  • Roteiro
  • Fotografia
3.5

Resumo

Guerra dos Sexos é um convite à reflexão da audiência sobre a necessidade gritante da igualdade de gênero. Sem ser invasivo ou tendencioso, entrega ao público além de uma trama forte e inteligente, um discurso poderoso que nos incita a questionar o quanto nossos conceitos podem ser opressores, e até extremistas, e o que precisamos fazer com que as tão faladas igualdade e inclusão estejam verdadeiramente inseridas em nosso meio social.

De inicio pode lhe parecer um filme absolutamente datado em meio ao crescente liberalismo feminino dos dias atuais, mas basta olharmos para o lado e veremos que a nossa igualdade pode não ser tão igual assim!

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