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CCXP

Publicado há
9 anos atrásem
Esse ano fiz uma pequena maratona participando dos (talvez) dois maiores eventos de HQs do Brasil: FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) e CCXP (Comic Con Experience). Apesar de já estar há alguns anos produzindo, ensinando e estudando quadrinhos, me sinto bem neófito quando o assunto são eventos de quadrinhos e mais ainda quando devo estar em uma mesa apresentando meu trabalho. Em parte pra administrar o nervosismo disso e em parte pra diminuir os custos, dividi minha mesa do FIQ com outros três artistas: Nathália Garcia e Blenda Furtado (parceiras no Estúdio Daniel Brandão) e Rafael Dantas (fundador do Qomics e amigo com quem tenho alguns trabalhos), este último também esteve na mesa 80 da CCXP comigo.
Ouvi muitas coisas sobre esses eventos antes, durante e depois deles. Tanto de artistas que já estiveram em ambos, quanto de fãs que esperavam estar neles. Muitas dessas preconcepções foram determinantes à visão geral que tive acerca dos dois, mas serviram principalmente pra mostrar que o “inesperado” é a mais relevante verdade sobre cada um deles.
Analisando primeiro o FIQ… O festival me lembrou muito encontros universitários: há muita teoria de HQ rolando, enquanto os painéis com convidados são disputados e as mesas de artistas, assim como os boards das apresentações acadêmicas, são mais visualizadas que realmente visitadas (leia-se aqui como “com produtos consumidos”).
De certa forma, esse é tipo de direcionamento do FIQ: há mais coleguismo e criação de contatos, amizades e parcerias que realmente o senso de “feira”, afinal, como o próprio nome diz, é um FESTival (e um local que vende cervejas durante o tempo inteiro tende mais a celebrar este coleguismo que gerar renda com quadrinhos, acredito eu). Nesse ínterim, ouvi muitas pessoas, inclusive artistas, dizendo que o FIQ estaria com seus dias contados – acredito que devido ao calor, bem como à aparente pequenês da Serraria Sousa Pinto.
Minha opinião é que não. Se o FIQ não mudar, ele ainda terá uma longa e movimentada vida, pois é o ambiente perfeito para o produtor independente e/ou novato que deseja apresentar-se à “comunidade quadrinista” – fora que é o evento mais em sintonia com as movimentações sociais (confira aqui uma análise do FIQ), tornando-o um lugar ideal às manifestações das novas correntes de produção.
No entanto, acredito em uma revitalização do evento – nisso mantenho minha comparação com os encontros universitários: ao invés de mesas de artistas, talvez mini-painéis de interação, áreas mais livres para bate-papos, atividades que ofereçam uma troca de ideias real, nisso até diminuindo o número de mesas para artistas mais conhecidos (quem sabe até oferecendo stands a esses e inserindo-os mais em painéis e oficinas que realmente funcionem como aulões interativos) e dando espaço aos menos conhecidos, bem como a coletivos e grupos. Arrisco sugerir até mudar o esquema de configuração das mesas (as quais hoje formam corredores) e mantê-las como “ilhas” espalhadas (num formato parecido com um parque onde as pessoas se reúnem embaixo das árvores), dando uma aparência completamente informal e bem “Woodstock” ao Festival.
Em resumo, o aspecto interativo e as trocas de ideias que o FIQ permitem são seus maiores diferenciais e seu grande charme, dar força a esses aspectos, seja por uma reorganização de suas atividades e espaços seria uma maneira de dar um frescor a ele e mudar o pensamento de seus produtores, que são, ao mesmo tempo, a espinha dorçal do evento e seu principal público.
A CCXP, por sua vez, é um evento grande. Enormemente grande. Particularmente a experiência de ter estado lá pela primeira vez foi, na falta de uma palavra melhor, assustadora. Há muitas atividades acontecendo ao mesmo tempo, muitos lançamentos pipocando em cada stand, muitas filas de autógrafos para pegar, muitos painéis e masterclass interessantes para se ver. É tanta coisa que o fã precisa preparar um intinerário antes de por os pés no evento (e já descontando o tempo em filas, que não costuma ser pequeno). O internacional Artist’s Alley do evento me pareceu bem localizado e com o desejo de colocar produtores diferentes de forma bem miscigenada, dando a impressão de que todos eram iguais ali (ok, havia umas duas filas em que os artistas realmente possuíam um status diferente, deixando claro quem pagou pra estar lá e quem foi convidado, mas isso era algo esperado) e de uma forma geral a exposição dos artistas ao público não foi nada ruim, muito pelo contrário, fora que estava bem confortável e espaçoso.
Por sua vez, o que diferenciou esse Artist’s Alley do de Belo Horizonte com certeza foi o público. Enquanto em BH havia uma curiosidade pelo novo, na CCXP havia uma pressa pelo conhecido. Alguns compradores já vinham com suas listinhas de compras como quem ia ao supermercado – o que, se parar pra pensar, é algo mais que esperado: numa época em que o bolso aperta, num evento em que a entrada, a alimentação e até a água estava com preços nada justos e que a cada 5 metros tinha stands com artigos exclusivos… é preciso ter muita certeza de como vai gastar.
Os artistas, no entanto, perdiam sua interação. Pouco se podia conversar e conhecer alguém além das mesas ao lado, pois havia muito trabalho a ser feito. As masterclass e os painéis (o que, por sinal, merece meus sinceros parabéns aos organizadores dos respectivos – os poucos painéis que vi – sobre representatividade de gênero e feminina – foram muito bons e a única masterclass que tive a sorte de participar me foi recompensadora) também tinham de ser bem selecionadas e acho que só podiam ser aproveitadas por aqueles que dividiam mesas. Ficamos de fora de muitas das atrações da Expo, dentro de um mundinho em que as informações só eram dadas tempos depois, quando não estávamos no evento. Um episódio, inclusive, me chamou a atenção e acho que define bem o AA da CCXP: num determinado momento seguia do banheiro à minha mesa e havia uma clara divisão do corredor que levava aos stands do evento e à área do Artist’s Alley. A primeira, completamente abarrotada de gente e onde o tráfego era impraticável, a segunda (literalmente ao lado da primeira) estava semi-vazia, com alguns autores transpirando cansaço e tédio.
Apesar do tom parecer crítico, estou longe de achar que essa foi uma má ideia. Ter uma área a parte para os autores em um evento tão imenso assim dá segurança e diminui a dor de cabeça, MAS será que ele atinge as expectativas dos autores? Será que eles se sentem de alguma forma como partes importantes daquele mundaral de coisa? E seus investimentos – tempo, paciência, divulgação, alimentação, viagens etc – foram recompensados? Sua exposição foi justificada ou alguma outra coisa “tapou” suas presenças ali?
Independente das respostas, FIQ e CCXP são dois eventos necessários para qualquer um que tenha o menor interesse de trabalhar com qualquer setor na área de quadrinhos, mas, como autor que já foi aos dois, minha melhor recomendação é: faça seus quadrinhos, divulgue-os, crie um público e um nome, divirta-se nesses eventos e só depois trabalhe neles. Acredito que suas impressões serão bem melhores.
Autor:
Luís Carlos Oliveira Sousa