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Crítica | ‘Bird Box’ garante tensão e horror psicológico, apesar dos seus altos e baixos

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Bird Box vem sendo um sucesso de público, isso é fato!

Baseado no livro de Josh Malerman a grande aposta atual da Netflix registrou um índice de mais 45 milhões de pessoas que já assistiram ao longa em pouco mais de uma semana desde sua estreia, e a repercussão do boca-a-boca da galera tem sido muito boa.

Mas, quando olhamos a obra de perto, Bird Box tem qualidades que justifiquem tamanho sucesso, mas alterna bons e maus momentos ao longo das suas 2 horas de duração.

O filme trata do fim da raça humana, não pela ação de cataclismas, catástrofes naturais ou vírus dos mais diversos tipos, mas de uma ação sobrenatural que atingiu aparentemente somente os seres humanos. No caso, as pessoas que olham diretamente para a entidade são induzidos a cometer suicídio. Este “entidade” personifica o medo, arrependimento ou uma perda que o indivíduo teve em forma de ilusão, e isto o leva a tirar a própria vida.

No meio deste cenário aterrador Malorie (Sandra Bullock) e seus dois filhos pequenos embarcam em uma viagem de dois dias rio abaixo em busca de um novo refugio. A missão ficará ainda mais difícil já que Malorie e seus filhos precisam trilhar todo o caminho de olhos vendados para impedir que o mal que está dizimando a humanidade os consuma também, numa jornada que reserva à Malorie e sua família perigos ainda maiores. O filme então volta cinco anos antes para mostrar como tudo começou e quais foram os eventos que levaram Malorie até o ponto de partida para sua difícil jornada. Como ela sobreviveu ao expurgo da humanidade, se refugiando com outras pessoas em uma casa e como as coisas evoluíram a partir daí.


Sandra Bullock é Malorie.

O filme alterna, então, trechos da jornada atual da protagonista com os eventos de seu passado. Esta foi a forma que o roteiro encontrou para desenvolver a história e sua protagonista, e utilizar outros personagens para contar como tudo começou e expor os dilemas morais sempre recorrentes neste tipo de contexto, quando vemos a humanidade abandonar seus valores em prol de sua sobrevivência. Por mais que a leitura do filme não seja comprometida pela ausência de uma linearidade temporal, os eventos acabam que perdendo um pouco do impacto, sobressai-se muito mais a curiosidade para sabermos o que conduziu a protagonista até o ponto em que começamos a acompanhar a história no tempo presente, do que necessariamente o medo e a tensão por tudo o que está acontecendo em torno da arriscada viagem de Malorie e sua família.

Apesar da alternância temporal a narrativa é simples de se entender e flui muito bem nos dois primeiros atos, pecando no terceiro quando o desfecho parece ser apressado e cru demais, carecendo claramente de um melhor desenvolvimento.

Apesar dos pontos negativos, o roteiro se prova eficiente em criar toda a atmosfera tensa e desesperadora, deixando de lado a obviedade dos sustos gratuitos para apostar no horror da busca pela sobrevivência a uma ameaça letal, onde a única maneira de evitá-la é se privando do mais importante sentido humano: a visão. Este aspecto pode não ser exatamente uma novidade, mas funciona bem dentro do arco principal da história, garantindo um desenrolar dos fatos angustiante. Há toda uma conotação religiosa envolvida, inclusive fazendo menção a vários tipos de culto.

Neste tipo de história, é comum observarmos seu desenrolar através do comportamento de seus personagens, enquanto estes se revelam e se moldam perante seus dilemas morais, por vezes sufocando a bondade, a fraternidade e o humanismo para dar lugar a sentimentos vis e selvagerias explicitas para garantir sua sobrevivência. Se for isto que você espera, lamento: você irá decepcionar. O filme não aprofunda os personagens, apenas contextualiza um pouco do passado e personalidade de alguns, para dar ênfase aos tais embates morais perante a decisões difíceis. Da mesma maneira que o egoísmo, o individualismo e a falta de compaixão são apresentados no comportamento dos personagens, a bondade, a fraternidade e o amor também se fazem presentes como um raio de esperança em meio a caos apresentado no longa.

O filme tem personagens demais e poucos discursos ou mensagens são enfatizados e devidamente trabalhados. Além do excesso de personagens nenhum deles é realmente notável e você acaba por não se importar com muitos, a exceção fica por conta dos personagens de John Malkovich e de Tom Hollander que, além de terem uma relevância maior na trama, compõem uma dinâmica interessante sobre confiança e egoísmo: “Devemos mesmo fechar nossos olhos para a solidariedade a outros sobreviventes em um momento de caos como este e pensarmos apenas em nossa própria sobrevivência?” O filme responde a esta questão tentando mostrar a necessidade de um equilíbrio entre os dois conceitos.


John Malkovich

Quanto à nossa protagonista, ela também carece de um desenvolvimento maior. Contudo o início do filme já nos apresenta alguns aspectos de sua personalidade através dos diálogos alegóricos com sua irmã Jessica (Sarah Paulson) onde a dificuldade de relação com outras pessoas, e uma certa rejeição a maternidade iminente, ficam muito claras.

Sandra Bullock se destaca no papel de Malorie. Sua atuação é intensa, é possível sentir a verdade no comportamento da personagem em todos os momentos. A mágoa pelos acontecimentos em sua família no passado, o desconforto em se tornar mãe e, mais tarde, o quanto a personagem se tornou uma pessoa dura mesmo com seus filhos, em meio ao caos. Malorie sequer deu nome às crianças! Contudo, Sandra cresce com sua personagem para brilhar no final, no ponto de virada, de sua personagem.

Fica por conta do personagem de Trevante Rhodes, que vive o ex-militar Tom, dar o toque de humanidade e esperança que Malorie parece perder com o passar dos anos. E é através do envolvimento de ambos que o filme transmite a possibilidade do amor mesmo em tempos inóspitos como este e reforça uma ideia plantada ao longo de todo filme, que é a mensagem da necessidade do sacrifício.

Como já dissemos a atmosfera de horror faz jus à proposta do filme, já a fotografia é sempre muito viva, se tornando mais sombria e densa nos momentos em que a entidade se manifesta, com bons ângulos de câmera que favorecem o teor de angustia proposto em cena.

Quanto à ambientação do filme é interessante ressaltar que, diferente dos filmes pós-apocalipse que estamos acostumados a ver, Bird Box apresenta dois cenários: o primeiro logo após a tragédia onde os vestígios recentes da tragédia estão à mostra, os recursos ainda estão à disposição, a desolação ainda não é total e as ruas ainda têm sinas de destruição, com corpos espalhados por toda parte, inclusive o filme mostra a decomposição destes corpos conforme o tempo vai passando. Já no segundo cenário, no presente, o mundo já está muito mais próximo daqueles retratados em outras obras que abordam este tema, tanto da desolação do nosso planeta quanto na permanência da ameaça ainda rondando os poucos sobreviventes.

A trilha sonora é pontual, hipnótica e, por vezes, assustadora e reforça a atmosfera que o filme pretende entregar. Não é um longa sobre um futuro tenebroso pós-apocalíptico mas, sim, uma jornada de sobrevivência.

Talvez o maior problema do filme esteja ligado mais precisamente às supostas criaturas causadoras de toda a catástrofe abordada no longa. Há um conceito muito válido quando falamos de filmes de ficção cientifica e de terror: quanto menos nos é revelado, melhor, e o que for revelado não deve ser feito de maneira excessivamente detalhada ou didática. Isto dito, algumas revelações precisam acontecer até para dar ao plot do filme a sua devida substância e fazer com a demanda dos personagens faça sentido. Neste ponto Bird Box comete deslizes que comprometem nossa imersão na história. Primeiramente a maneira como a ameaça é explicada e “entendida” (isso ainda no primeiro ato) é absolutamente ineficaz, feita pelos personagens da casa que, como dissemos, pouco servem além de transmitir a sensação de claustrofobia e enclausuramento necessários por conta de uma ameaça ainda maior do lado externo. É obvio que, se você não se importa com os personagens, deixar a cargo deles uma explicação deste calibre é algo que pode, claramente, não funcionar.

Outro ponto remete a identidade visual das criatura/entidades/sei-lá-o-quê! A forma como este ponto é tratado no filme, de fato incomoda. Vale ressaltar o que foi mencionado alguns parágrafos acima de que o mistério neste gênero de filme é super importante, assim como a ameaça precisa ser estabelecida corretamente, caso contrário a mesma pode acabar não sendo tão impactante quanto o desejado.

O filme foi dirigido pela dinamarquesa Susanne Bier, que em seu currículo possui um Oscar de Melhor filme estrangeiro pela direção de Haeven (2010). Já o roteiro adaptado do livro homônimo de 2014 ficou a cargo do roteirista americano Eric Heisserer que, entre outros roteiros, escreveu o excelente A Chegada (2016).


Malorie e as crianças em sua dura jornada

Entre altos e baixos, Bird Box é um thriller de suspenso tenso com uma ótima premissa, mas que falha ao não explorar corretamente seu potencial e utilizar mal uma serie de elementos. Ainda assim, é abrilhantado pela atuação de Sandra Bullock que dá toda a verdade necessária a desesperada jornada de uma mãe buscando sobreviver.

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