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Cultos Inomináveis | Horror lovecraftiano no século XXI está chegando ao Brasil pela Buró

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Howard Phillips Lovecraft, ou apenas H.P. Lovecraft como é mais conhecido, é um dos maiores nomes – se não O maior – da literatura de horror mundial. Sua mitologia de terror cósmico, conhecido como “Mitos de Cthulhu”, que apresentam horrores quase indescritíveis, capazes de levar à loucura a mente humana mais brilhante e sã, são ambientados em meados da década de 1920 e já renderam adaptações para o universo do RPG, também ambientados nos anos 20. Mas se você, assim como nós, sempre pensou: “Como seria viver a iminência da chegada de Cthulhu nos dias atuais?”, Cultos Inomináveis é o seu jogo.

Cultos Inomináveis é um RPG da editora espanhola Nosolorol, escrito por Manuel SueiroRicardo DordaLuis Barbero e Jokin Garcia. Publicado originalmente em 2014, o jogo está às vésperas de chegar ao Brasil pelas mãos da Buró Editora, até pouco conhecida como Redbox Editora.

O Cenário

Esqueça a imagem daquele velho Necronomicon carcomido por traças e coberto de poeira, escondido no fundo de um baú e enterrado na propriedade de um velho e louco historiador aposentado. O velho livro sempre procurado por criaturas inescrupulosas, ansiosas por poder, ou por pessoas nobres e altruístas, dispostas a enfrentar a loucura para salvar o mundo de um horror maior, não se encontra mais nessas condições decrépitas. Ele agora pode estar digitalizado em um tablet e guardado sob a mais alta segurança no cofre de uma empresa que, até pouco tempo, era praticamente nada, até que, milagrosamente, como que por um passe de mágica, teve as suas ações supervalorizadas na bolsa de valores nos últimos meses! Ou, pior ainda, o livro pode estar disponibilizado na deep web, onde os mais diversos tipos de pessoas incautas poderiam encontrar, não apenas estudiosos do oculto.

Esse é o século XXI, onde os livros e manuscritos mágicos contendo rituais de invocação, evocação, portais dimensionais ou magias dos mais variados tipos, deixaram de ser relegados à grossos livros com capas de couro e escritos com tinta de sangue, e passaram a permear o mundo virtual, ao alcance de qualquer um. Que saiba onde procurar, claro… Ou tenha a má sorte de encontrá-lo em um fórum de conteúdo duvidoso…

Cultos Inomináveis trás para a nossa época todo o horror dos Mitos de Cthulhu em uma abordagem diferente das anteriormente feitas nos RPGs do tema. Aqui você não é mais necessariamente alguém que conheceu os Mitos e está tentando de alguma forma apenas sobreviver aos fim dos tempos, ou altruisticamente indo de encontro ao desconhecido, tentando parar um culto de invocadores dos Deuses Ancestrais e evitar o juízo final. Não. Aqui você é parte dos cultistas!

Mas, esqueça esse estereótipo de um cultista como um vilão abjeto, que deseja o mal pelo mal, que “quer trazer o fim de tudo e todos”. Aqui você é uma pessoa que reconhece as vantagens que o conhecimento do oculto traz, e quer se utilizar disso com algum objetivo particular. Ser um cultista em Cultos Inomináveis não é usar um manto com capuz, ter um punhal na mão, entoar mantras em latim e sacrificar virgens em noites de lua cheia. Pelo menos não APENAS, ou necessariamente, isso. Os cultos são muito mais sutis no mundo real.

Basicamente, “culto” é o termo geral usado para qualquer grupo de indivíduos que tem, ou teve, algum contato com os Mitos e que buscam formas de aprofundar seus conhecimentos e se utilizar deles para objetivos próprios e/ou comuns aos envolvidos. As vezes eles se escondem sob a fachada de uma empresa de pesquisa, um clube social de reuniões particulares e discretas ou até igrejas. Os cultistas são pessoas normais, como você ou eu.

A dúvida que resta é: “Quem te garante que eu não sou um cultista querendo convertê-lo?”

O Sistema

Cultos Inomináveis utiliza o Sistema Hitos, que “se declara Open Content e pode ser utilizado livremente em virtude da licença OGL” (Open Game License, ou ‘Licença de Jogo Aberta’ em português), como é expresso nos créditos do livro.

Para uma mente muito adaptada aos conceitos D&Dzísticos, como a minha, a primeira leitura do sistema de regras pode soar estranha, uma vez que nem tudo vai ser focado em “o quanto eu consigo fazer o meu ataque e dano serem maiores?”. O sistema Hitos não aponta para combos ou nada do tipo. E, diferente de qualquer outro que eu – particularmente – conheça, o sistema permite uma liberdade muito grande, pois apresenta a proposta de ‘descrição dos valores’, ou Aspectos, como o sistema denomina, que vamos pincelar a seguir.

O processo de criação de personagem parte de um ponto básico: Qual o Conceito do seu personagem? O Conceito pode ser uma palavra ou frase que resuma o que o personagem é na essência dele. Por exemplo, um Advogado Inescrupuloso, um Veterano de Guerra, uma Assassina de Aluguel. Algo que possa, facilmente, tornar o seu personagem “visualizável”. Se você acha que não tem criatividade pra isso, o livro conta com vários exemplos de conceitos muito interessantes para você usar ou ter como um norte.

Baseado no seu conceito você vai distribuir pontos entre 4 Características, duas físicas (Força e Reflexos) e duas mentais (Vontade e Intelecto). As Características tem valores que variam de 1 (que é “incrivelmente baixo” para a média humana) a 10 (que é “algo lendário”), sendo 3 o valor de referencia médio comum. Aqui entram algumas das coisas interessantes, que são os Traços. Os Traços são frases que ajudam a delimitar melhor determinada característica para além dos números. Por exemplo, você pode ter Força 8 e o traço ‘Costas Largas’, que mostra que o seu personagem é “um armário” de grande, como esses seguranças grandões que vemos por aí, ou ter a mesma Força 8 e o traço ‘Fisiculturista’, que delimita o perfil do seu corpo como sendo finamente trabalhado para minimizar a gordura corporal e acentuar os músculos. Com isso, a cada definição, nós temos mais e mais um personagem tridimensional, favorecendo a interpretação do personagem por parte do jogador e permitindo ao mestre mais recursos para descrever seus NPCs. Assim como no caso dos Conceitos, os Traços são muito bem exemplificados no livro, ajudando bastante no processo de criação.

Em seguida temos a definição dos Marcos da vida do personagem. Marcos são pequenas frases que apontam para momentos chaves da vida do personagem, que tiveram um impacto tão significativo na sua vida que foram culminantes para o que o personagem é na atualidade. Se o seu personagem é um órfão que se tornou viúvo e que, após a perda da esposa, resolveu não se casar mais, ao invés de ‘Solitário’ você poderia descrever o seu Marco como ‘Não teve muita sorte com esse negócio de família’. Isso já mostra, em certa medida, como o personagem entende e vê o conceito familiar de forma geral.

O jogo lhe pede que 4 Marcos sejam definidos na criação de personagem mas, com a permissão do Mestre, você pode iniciar com até 2 Marcos Ocultos, que são momentos chave na vida do personagem ainda não conhecidos e que serão descobertos durante a aventura/campanha.

Temos ainda a definição das Habilidades, que são as coisas que o seu personagem sabe fazer e variam entre: Forma Física, Combate, Interação, Percepção, Subterfúgio, Cultura, Profissão, Ocultismo e Habilidade Arcana. Cada uma dessas habilidades tem valores que variam de 0 a 10 mas, diferente de outros jogos onde nós normalmente definiríamos que temos, por exemplo, ‘Combate 8’ e pronto, aqui nós precisamos, mais uma vez, definir as coisas para além dos números. Então o nosso exemplo mudaria para: ‘Combate 8 – Pistoleiro’. Com isso definimos um foco mais específico para a habilidade de combate do personagem. Isso deve ser feito para cada habilidade escolhida. Como é notório, basicamente tudo no sistema pede que você “cite” algo para definir melhor o valor. Falando em citar…

É necessário escolher a Citação do seu personagem. A citação é algo que seu personagem costumaria dizer em situações dramáticas. Como o Wolverine e sua: “Eu sou o melhor no que faço, mas o que eu faço não é muito agradável”, ou o Exterminador do Futuro e seu: “Hasta la vista, Baby”.

Após isso, chegamos em um dos pontos mais importantes do sistema: os pontos de Drama. Os pontos de Drama permitem que você influencie/modifique a história do jogo, pois você pode utilizá-lo para ativar ou impedir a ativação dos Aspectos.

“E o que são Aspectos?” – você me pergunta.

Lembra de todas aquelas palavras e/ou frases que você usou para descrever suas Características, Traços, Marcas e Habilidades? Então, TUDO aquilo são Aspectos (ou funcionam como tais). Ou seja, você pode, ativar ou impedir que um NPC, ou membro do grupo, utilize com liberdade e exatidão a sua Habilidade ‘Combate 8 – Pistoleiro’ apenas usando os seus pontos de Drama.

Sabendo disso é bom descrever aspectos nos personagens que possam facilmente ser usados como gatilhos dos pontos de Drama pois, com isso, você e os seus companheiros de mesa poderiam se ajudar mais durante o jogo.

Feito isso é só fazer alguns cálculos para definir seus valores de: Vigor, Resistência, Defesa, Iniciativa, Bônus de Dano, Resiliência, Estabilidade Mental e Degeneração (que têm valores determinados baseados em algumas das suas Características ou Habilidades). E, então, é só escolher uma Complicação, que é basicamente um defeito que vai colocá-lo em desvantagem ou causar problemas em determinados momentos e que, via de regra, vai funcionar como um Aspecto que o jogador dificilmente pode invocar a seu favor. A Complicação é algo que, quando ativada, vai acabar por gerar um ponto de Drama em favor do personagem. Mas, cuidado, uma Complicação como “Extremamente Antissocial” não lhe renderá um ponto de Drama extra em todas as cenas que o seu personagem acabar por interagir com outros personagens ou NPCs pois, por ser algo extremamente rotineiro em jogo, o mestre pode considerar como excessiva e não aceitá-la. É importante pensar bem nesse ponto.

Além do personagem em si, algo importante que vai ser definido pelos jogadores é aquilo que dá título ao jogo: o Culto. Um Culto no jogo não funciona como um grupo de fanáticos, isso é importante de frisar. Um Culto é, basicamente, um conjunto de pessoas que participam de um grupo “x” mas que tiveram um contato prévio com os horrores ocultos e, por isso, se ajudam. Cultos contam com Origem e Objetivos, e se tiverem um objetivo de expansão tem sistemas próprios de Recrutamento, além de Organização, caso sejam grandes o suficiente. A Simbologia de um culto conta com: nome, emblema, cargos, lema, saudação secreta (alô, Maçonaria!), jargão e normas. O livro, claro, conta com todo o processo de criação de um Culto.


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Com os conceitos gerais da ficha de personagem explicados podemos partir para o sistema de regras e paradas de dados em si que, por sinal, é bastante simples: todas as paradas de dados são feitas basicamente jogando 3 dados de 10 lados. Os valores dos dados são separados entre o menor (o dado de menor valor), o Central (o dado de valor intermediário) e o Maior (o dado de maior valor), respectivamente definidos como: m, C e M. Os testes em condições normais utilizam o dado C como o valor a ser utilizado para verificar o resultado do teste. Em condições desfavoráveis o dado m é utilizado e em condições favoráveis o dado M é o dado utilizado. Sendo assim, um personagem testando a sua habilidade de ‘Combate 8 – Pistoleiro’ para atirar em um alvo grande e imóvel em uma escola de tiro, jogaria 3d10 e, pelas condições favoráveis (tamanho do alvo e falta de movimento) escolheria o maior dado para somar ao seu valor de habilidade (no caso, 8). Com um valor de 8 na habilidade, e sabendo que o Mestre determinou o teste como sendo de dificuldade Fácil (onde o valor mínimo para sucesso é de 10), o jogador precisaria de um valor mínimo no dado M de 2.

Em alguns momentos mais dados podem ser acrescentados às paradas de dados, além de ainda haver a dinâmica de ativação dos Aspectos, Iniciativa, Combate e demais situações e possibilidades que são apresentadas no livro.

Cultos Inomináveis conta com um sistema bem completo, que permite um grande nível de personalização de personagens. É bastante flexível, uma vez que várias características do jogador são descritas textualmente permitindo diversas interpretações do mesmo Aspecto em diferentes situações, mas também leva o jogador a pensar bem mais no que vai fazer, quando se trata do sistema de Pontos de Drama, pois este deve ser bem gerenciado para usar os Aspectos desejados nos momentos importantes. A principal crítica ao sistema talvez more aí, uma vez que o gerenciamento dos Pontos de Drama pode vir tirar um pouco o jogador da parte mais interpretativa, que é bastante presente nas histórias associadas a Cthulhu.

O Livro

Não bastasse o sistema de regras próprio, inovador e simples (depois de aprendido, claro), Cultos Inomináveis conta com um belíssimo livro de 288 páginas, totalmente colorido e com um design desenvolvido para que você possa imergir no universo do horror dos mitos. Além de ricamente ilustrado o livro conta com uma proposta que, por vezes, se apresenta como um diário de anotações de um cultista, com marcações feitas nas páginas, em outros momentos lembra um velho grimoire, com símbolos arcanos usados como marca d’água nas páginas, ou ainda abraça a modernidade e apresenta conteúdos diretamente da tela de um smartphone ou tablet. Um primor.

A estrutura do livro é composta por 9 Capítulos intercalados por 10 Relatos, que são pequenos textos que levam você intimamente para dentro do universo Lovecraftiano. Os Capítulos versam desde uma breve introdução aos Mitos, passando pelo sistema de regrasconstrução de personagens e cultos, ambientação, magia e o papel do mestre de jogo.

Sem deixar a desejar, o livro ainda traz ainda um pequeno bestiário, que contempla desde os conceitos e histórias dos próprios deuses até as fichas das criaturas dos mitos, e duas aventuras prontas para jogar.

Como um bom livro básico de RPG, Cultos Inomináveis é bem completo e contém tudo o que é necessário para  os jogadores iniciarem as incursões no universo de horror de Lovecraft.

Lançamento no Brasil

Cultos Inomináveis é um excelente RPG e está vindo para o Brasil pelas mãos da editora Buró Editora. Seu lançamento será feito por meio de um financiamento coletivo, na plataforma do Catarse (clique AQUI para conferir), e se iniciará no dia 11/02, com uma proposta de ter o jogo lançado ainda no segundo semestre deste ano (Tomara!).

Se você gosta da temática de horror do universo de H.P. Lovecraft, ou gostou do básico do sistema de regras apresentado aqui, fica ligado nesse financiamento coletivo que tem jogão vindo aí!

Garanta já o seu kit completo de ‘Cultos Inomináveis’.

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Agradecimentos especiais ao amigo, Prof. Dr. Ricardo Brauner, do curso Sistemas e Mídias Digitais, da Universidade Federal do Ceará, pela ajuda na leitura e análise crítica do Sistema Hitos.


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E aí, vai encarar ou se render a loucura do grande Cthulhu?

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