Editorial | Opinião
Disney & Fox | Do sonho dos fãs ao risco para o mercado
Publicado há
6 anos atrásem
Tentamos analisar, nos detalhes, o impacto e os desdobramentos da negociação que está mexendo com o mundo do entretenimento.
Depois da última sexta-feira de julho, 27/07, é correto dizer que a forma como consumimos entretenimento nunca mais será mais a mesma.
Através de uma aprovação, quase unanime, por parte dos acionistas envolvidos nas negociações, o acordo de compra da 21st. Century Fox pela Walt Disney Group foi fechado pela bagatela de U$ 71,3 bilhões.
Entre expectativas, especulações e preocupações, o impacto desta negociação reflete não só na maneira como consumimos nosso entretenimento, possuindo reflexos em vários segmentos do mercado, agitado com as possibilidades que esta nova junção deverá propiciar.
Entre os ativos adquiridos pela Disney estão 20th Century Fox e Fox Searchlight, os canais FX e National Geographic, as emissoras esportivas regionais da Fox e a maior parte das ações do serviço de streaming Hulu.
CINEMA
A Disney passa a ser proprietária de franquias consagradas como Avatar, Planeta dos Macacos, Kingsman, Duro de Matar, As Crônicas de Nárnia, Independence Day, Maze Runner e, claro, Deadpool, Quarteto Fantástico, X-Men, entre outras.
É categórica a observação de que as maiorias destas franquias não possuem o “jeitão” da Disney, e ainda não temos como saber como a empresa se comportará em relação a elas. Não se pode, por exemplo, precisar como seria um filme do Alien ou mesmo um Deadpool feito pelo Mickey Mouse e Cia Ltda. Temos também que considerar os grandes blockbusters, ou mesmo as grandes produções que normalmente concorrem ao Oscar. A concepção destas obras também foge ao modus operandi da Disney e como a mesma se comportará perante a esta situação ainda é um grande ponto de interrogação.
Birdman, O Regresso e o recente A Forma da Água são exemplos de produções da divisão de filmes da Fox que faturaram o Oscar nos últimos anos, a mesma também possui estúdios anexos, e subsidiários responsáveis por produções independentes, filmes estrangeiros, gêneros de terror entre outros. Como o estúdio de animação Blue Sky responsável por animações de sucesso, como Rio e A Era do Gelo. Pessoalmente, acredito que a Disney manterá esta divisão de filmes, dando continuidade ao trabalho que já vinha sendo feito, sob claro, a batuta da empresa, que não deve mexer na identidade dos filmes adquiridos. O que ela deve fazer é regular produções futuras. Ainda assim, creio que o espaço criativo desta “nova” divisão de filmes, mesmo que com uma nova supervisão, esteja garantido. Sendo assim as lendárias instalações do Fox Studios, localizadas em Los Angeles, EUA, continuarão sendo utilizadas. Vale lembrar que a Marvel Studios e a Lucas Films foram adquiridas pela empresa e continuam existindo, minha aposta é que esta divisão de filmes deve funcionar como um “selo” separado para estes tipos de filmes, que serão supervisionados, mas não terão seu conteúdo adaptado para que seja palatável a abordagem familiar do conteúdo recorrente da empresa.
Quem parece não estar gostando muito desta nova fusão são os roteiristas, que se manifestaram já em Dezembro último, quando a fusão começou a ser costurada. Há uma preocupação, deferida em minha opinião, de que o domínio da Disney pode propiciar uma desvalorização destes profissionais, ficando cada vez mais difícil conseguir salários melhores, reivindicação recorrente desta categoria.
Vale lembrar que a Fox controlava os direitos de Star Wars: Uma Nova Esperança, agora com a compra estes direitos passam a ser abrigados pela mesma casa que em 2012 comprou a Lucas Films.
TELEVISÃO
Os Simpsons, Futurama e Family Guy, são animações conhecidas pelas qualidade em suas histórias, mas que não são histórias para todos, já que todas elas são carregadas de citações e situações polêmicas e de um humor absolutamente ácido, e momentos que, para alguns, podem ser desconfortáveis. Ainda assim, todas elas são sucesso de crítica e público, principalmente a Família Amarela que é um fenômeno no ar há mais de duas décadas.
Apesar disso tudo Os Simpsons não tem, para a Disney, o mesmo apreço emocional que tem para a Fox. Mesmo sendo uma série que dispensa comentários, há muito deixou de ser visionária e inovadora como em temporadas anteriores. O risco da série encontrar seu final definitivo é uma possibilidade.
Outras séries de sucesso pertencentes a Fox, como This is US, 24 Horas, Modern Family, American Horror Story, Legion e The Gifted (as duas últimas ligadas ao universo dos X-men) também passam ao controle da Disney. Além de nutrirmos uma expectativa sobre como e se dará continuidade destas produções, fica o potencial evidente do que a Disney terá em seu catalogo para o seu futuro serviço de streaming em desenvolvimento. Imagine inaugurar um serviço de streaming com todas as temporadas de Simpsons ou Arquivo X, só para citar algumas poucas séries muitas temporadas.
A Disney herdará os canais da Fox e muitos deles dominam a audiência no mundo oriental, o que dará ainda mais visibilidade a empresa que, no acordo de compra, também se tornou dona da europeia Sky, e através da Sky a Disney deve forçar a exposição de seu conteúdo em larga dentro da sua programação, através de seus muitos canais adquiridos e outros meios de propagação. É fato que a Sky será, em curto prazo, um poderoso instrumento para Mickey e sua turma. A Endemol, empresa que se tornou famosa por criar reality shows muito conhecidos como MasterChef e Big Brother, também passa a ser de propriedade do grupo Disney.
Fica a ressalva de que, como a Disney já é dona da ESPN, a aprovação do acordo de compra pelos órgãos reguladores prevê que a empresa venda os canais de esporte adquiridos junto a Fox.
STREAMING
É inegável que hoje há uma preferencia por parte da audiência pela Netflix quanto ao tipo de serviço de streaming oferecido. Ainda que a concorrência esteja cada vez mais agressiva, com conteúdo principalmente original, de qualidade a Netflix ainda é uma preferência e, em muitos casos como foi no Brasil até pouco tempo atrás, a única opção.
A Disney já notificou que retirará seu conteúdo da Netflix a partir de 2019, já que a empresa terá seu próprio serviço de streaming, que passará agora a ter um catálogo imenso. Além dos já mencionados Os Simpsons, Family Guy, Arquivo X dentre entre outros, a empresa ainda tem o escopo de filmes da Marvel Studios, da Lucas Films e claro seu conteúdo próprio.
O gigantesco acordo de compra, ainda garantiu que a Disney se tornasse acionista majoritária de um dos mais fortes concorrentes da Netflix, o HULU. Mudanças estruturais são impedidas pelo acordo de compra, mas há a possibilidade de que, num futuro próximo, a Disney acabe por adquirir por completo os direitos do HULU e o consolide junto com seu streaming criando um mega serviço que poderia, sim, ameaçar pesadamente o domínio da Netflix. Outra possibilidade é que o HULU seja uma plataforma para um conteúdo mais adulto enquanto que o futuro serviço de streaming do Camundongo seria voltado para o conteúdo familiar.
PERSONAGENS DA MARVEL DE VOLTA PARA… A MARVEL!
O bom filho a casa torna! Um famoso ditado popular que poderia ser muito bem aplicado ao atual momento no universo do entretenimento. Com a compra finalizada, finalmente os mutantes, Deadpool e o Quarteto Fantástico poderão ser integrados ao bem-sucedido universo cinematográfico da Marvel.
O sucesso e a qualidade da receita dos filmes da Marvel fez com que os fãs desejassem arduamente o retorno dos personagens da Fox para a Marvel. Não apenas pela oportunidade de vermos nas telas encontros e histórias épicas como o casamento de Tempestade e o Pantera Negra, Hulk vs Coisa, ou Vingadores vs X-man, mas principalmente pela falta de boas histórias vistas nos filmes de heróis feitos pela Fox. X-men se tornou uma bagunça cronológica, alternando entre bons filmes e alguns desastres (vide X-Man III) ou decepções (X-Man: Apocalypse). O Quarteto Fantástico, por sua vez, conseguiu ser ainda pior, a cada novo filme um novo fiasco!
O jogo mudou com Deadpool e Logan. Fazendo o uso de uma nova roupagem, a classificação indicativa adulta destes filmes possibilitou o uso de elementos até então não vistos neste tipo de filmes como sexo, violência extrema e o vocabulário pesado. Tudo isso em filmes que fizeram de si mesmos incursões em gêneros como a comedia pautada no humor negro (Deadpool) ou um faroeste dramático recheado com cenas de perseguição ao melhor estilo Road Movie (Logan), ambos com um orçamento muito modesto se comparados a outras produções do mesmo gênero.
Isso não quer dizer que mais filmes do Mercenário Tagarela, por exemplo, não serão feitos, mas que talvez Deadpool deva seguir à margem do Universo Cinematográfico da Marvel. Quanto aos X-Men, e principalmente o Quarteto Fantástico, estes devem ser inseridos no Universo Marvel partindo do zero, sem que nada seja aproveitado dos filmes anteriores. Lembrando que o Quarteto foi a primeira super equipe dos quadrinhos e sua inserção no universo dos filmes da Marvel é algo há muito esperado pelos fãs. A aquisição destes novos personagens abre um leque enorme de possibilidades para histórias futuras no cinema, ficando a expectativa se já teremos algo a respeito na fase 4 da Marvel, que começa em 2019.
Hugh Jackman já declarou que poderia voltar a interpretar o mutante canadense caso a fusão entre as gigantes acontecessem (Jackman é uma referencia no papel, mas a hora é de renovação em minha opinião). O certo é que X-Men: Fênix Negra e Os Novos Mutantes, próximos filmes dos mutantes a entrarem em cartaz, já estarão sobre a batuta da Disney. Fênix Negra, por exemplo, deverá passar por refilmagens a partir de Agosto, e o mesmo deve acontecer com Novos Mutantes. O conteúdo destas refilmagens não foi revelado e ambos os filmes tiveram suas estreias confirmadas para 2019.
O fato é que com o retorno destes personagens à Marvel o arco de possibilidades se torna imenso, a gama de personagens que podem ser utilizados é enorme: Dr. Destino, Surfista Prateado, Sr. Sinistro e Galactus são apenas alguns exemplos do que poderemos ver nas telas nos próximos anos.
O IMPACTO DO ACORDO NA INDÚSTRIA DO ENTRETENIMENTO
Nos quadrinhos da Marvel a atenção dada aos mutantes deve mudar, uma vez que os direitos do cinema não pertenciam à Casa das Ideias, a mesma deixou os X-men de lado. Logan, por exemplo, morreu, foi substituído pela X-23 e pelo Velho Logan, este último incorporado ao universo 616. Isso sem falar no destaque aos Inumanos turbinados claramente para substituir os X-men. Agora tudo deve mudar, os X-man que sempre foram o carro chefe da editora e principal equipe de super heróis da Marvel devem voltar a estar em evidência.
Já em relação aos seus parques temáticos, é correto dizer que hoje a Disney já possui muito mais franquias de sucesso do que precisa para trabalhar em seus parques. Ainda assim, caso queira utilizar as novas aquisições em parques temáticos, terá que resolver alguns impasses causados por um acordo antigo junto a Universal. X-men, Quarteto Fantástico e Os Simpsons são do uso da Universal em seu conhecido parque, o Universal Orlando Resort. Mas a Disney já tem uma atração da Fox em seus parques, trata-se do Pandora: The World of Avatar, assim sendo, veremos no futuro como (e se é que) as novas aquisições vão figurar nos famosos parques do Camundongo Orelhudo.
O ambiente para os pequenos e médios estúdios, com isso, fica cada vez mais severo, uma vez que a Disney possui quase um terço do mercado do entretenimento, com outros cinco grandes estúdios correndo atrás dela. Muitos outros estúdios acabam sendo absorvidos em conglomerados para enfrentar não só a Disney, mas outros gigantes da comunicação e tecnologia como a Apple e o Facebook, que se lançam neste mercado como produtores de conteúdo de entretenimento. Sem muitas opções, os estúdios menores ficam condicionados a se unir com estúdios maiores, o que com certeza vai refletir numa variedade menor de filmes, e obras com orçamento médio. As produções classificadas como independentes tendem a sofrer muito com esta situação também.
O quesito monopólio, muito comentado desde que as negociações se tornaram públicas, pode ou não se tornar real, mas é inegável que a propagação e influência da empresa deve se manifestar absurdamente graças através dos novos meios adquiridos pela empresa. Outro ponto que deve ser ressaltado neste quesito remete a competitividade de mercado já que, comercialmente falando, nada é melhor que concorrência. A concorrência te tira da zona de conforto, faz com que você melhore seus processos sempre buscando uma qualidade cada vez maior. Por outro lado, quanto mais concorrentes mais o consumidor tem opções, moderando o preço praticado em produtos e serviços. Sem isso o mercado corre o risco de ser dominado pela falta de qualidade e preços abusivos.
O fato é que vivemos um momento de grande transição. Mudanças estão a caminho e seremos testemunhas de eventos que irão redefinir como consumimos entretenimento, enquanto acompanhamos a movimentação do mercado antes as ações deste novo e poderoso grupo.
É.. o Mickey Mouse e sua turma ficarão mais fortes do que nunca!
Conheceu os quadrinhos (que carinhosamente chama de Gibi) no fim dos anos 80 e deles nunca mais se separou. Gamer old school, ávido devorador de bons livros, amante da sétima arte, comentarista de rádio. Escreve para uma comunidade de cultura pop, e é o mais recente membro honorário do Conselho de Elrond.