Contos
Efeito Fallout – Parte 1
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9 anos atrásem
Por:
Wilson JúniorPalácio da Abolição – Fortaleza-CE, 6 de agosto de 1975.
– O mundo todo tá fazendo isso Deputado. – dizia Paulo Albuquerque Queiroga de uma maneira despretensiosa.
– Acho simplesmente esplêndido como você fala do assunto, como se fosse banal. – respondeu Deputado Astolfo Borges, enxugando a careca suada, falar no assunto lhe dava calafrios.
– Se não formos nós, outros vão passar na frente. Pensei que o senhor fosse um desbravador, um vanguardista.
– E mais uma vez eu te pergunto Paulo, e os Militares? – questionou o deputado ignorando a provocação.
– Os militares tão caçando comunista homem, e digo mais, ninguém vai saber! A gente inventa um desvio de rio e retira todo mundo de perto. É um pedaço de terra seca e improdutiva, quem vai fazer questão?
– Tu sabe que o povo é disperso e a gente vai ter que fazer uma busca grande.
Paulo pensou durante o poderia ser meio segundo e respondeu.
– Nada de pente fino, dá aquela passada geral, quem ficar, ficou.
Borges passou o pano pela careca mais uma vez, a frieza do homem a sua frente era assustadora. Mas os Queiroga não se tornaram uma família poderosa sendo delicados. Ele apagou o cigarro no cinzeiro de cristal. Olhou pela janela vendo a luz do sol se por, era uma conversa estranha para se ter num belo entardecer.
– Olhe deputado não quero lhe pressionar, mas se eu levar esse empreendimento pro Maranhão ou pro Piauí vai ter deputado se estapeando para participar. Busquei o senhor por que meu pai sempre lhe tratou como um visionário, isso somado ao fato de eu amar meu Ceará e ser aqui que eu quero edificar. – As palavras foram ditas com leveza, mas pesavam como um ultimato.
– Tudo bem! Vamos botar para frente a empreitada.
– Depois desse empreendimento caro colega, nós seremos donos dessa cidade. É dinheiro muito. E de verdade, as verdinhas americanas.
– Temos que colocar mais gente na folha. Quanto menor a chance de dar problema melhor. Não quero acordar num pau de arara. – falou o Deputado cedendo.
– Mas isso é fácil. Como eu te disse é dinheiro muito. – Os de Paulo brilhavam como de uma criança na manhã de natal.
“Se não for eu, vai ser outro” ecoava na mente do Deputado Astolfo enquanto ele apertava a mão do empresário, selando seu pacto com o demônio.
Sertão dos Inhamuns – CE, 30 de Outubro de 1976.
– Raimunda venha cá mulher. – disse Francisco impaciente.
– Que foi homem? Que ira doida é essa?
Ela saiu para o quintal, o sol do matutino ainda numa temperatura agradável, o marido ordenhava a vaca da família e as crianças davam de comer as galinhas. O quintal era bonito, tinha goiabeira, pé de seriguela e cajá, a orta estava bem florescida pronta para colher.
– Mulher já faz uns dias que os homens do governo mandaram a gente deixar a casa, que o rio ia passar.
– Que história de rio o que homem, eu pensando que era alguma coisa séria. Tu sabe que rio tá a não sei quantas léguas daqui, isso é conversa do governo pra ficar com nosso pedaço de chão. Se eles quiserem nosso lar, vão ter que vir aqui e tirar a gente. – finalizou Raimundo batendo o pé e levantando poeira. O marido não contestou mais, ele mesmo tinha suas suspeitas da conversa.
– E Chiquinho, tire Maria de perto da cerca para ela não se cortar. – falou para os filhos que corriam mais do que alimentavam as galinhas.
A terra deles era pequena mas suficiente, apesar da vida no sertão ser difícil, o poço artesiano cavado pelo governo ficava perto de sua casa, era forte e quase sempre tinha água. As plantações davam para encher sua barriga deles e dos sete filhos, além de conseguirem pasto para os cabritos e a vaca.
– Se a gente arredar daqui, não acha outro canto bom como esse nunca mais. Deus até castiga. – disse Raimunda de olhos cheios admirando seu lar.
– Olha lá vem Cicero voltando.
Cicero vinha a cavalo, cavalgava veloz pela estrada de terra batida. Ao se aproximar seus pais viram que sua feição estava pálida.
– Que cara é essa menino? Parece que viu visage. – brincou Raimunda com filho.
– O negócio do rio era verdade mãe, o povo da cidade tudo pegou o rumo, teve até morte de gente que brigou com o pessoal da cidade que chegou para dar o comunicado. – explicou Cicero esbaforido.
– Quando foi isso rapaz? – perguntou Francisco.
– Foi ontem a noite pai, alguns moradores se esconderam e ficaram por lá, eles me contaram tudo.
– Eu não te falei mulher, não se brinca com essas coisas do governo. – gritou ele para esposa demonstrando uma agressividade incomum.
– Você fale direto comigo que num sou mulher de bordel. E outra ainda acho que seja invenção de gente querendo roubar as terras do povo.
– É não mainha, vamos embora por favor. – suplicou Cicero. – Eu vi umas camionetes com pintura militar, passando pela estrada.
– O meu filho, mas esse é nosso lar.
– Mainha, lar vai ser qualquer lugar que a gente fique junto, né pedaço de terra não.
Comovida com as palavras e a preocupação do filho, as lágrimas escorreram pela face marcada de Raimunda.
– Pois vá ajeitar a carroça com seu pai, vamos sair por enquanto, se for balela do governo a gente volta. Se for desvio de rio mesmo dá tempo da gente sair ainda.
Apressadamente a família organizou os poucos pertences importantes na carroça, levando também o máximo de alimento possível e amarrando os bichos na carroça. No exato momento que saiam de casa uma sirene altíssima ecoou.
“If you can hear this, you are in the blast zone, seek shelter”
“If you can hear this, you are in the blast zone, seek shelter”
“If you can hear this, you are in the blast zone, seek shelter”
– O que isso que eles tão falando? – perguntou Francisco ao filho.
– O povo da cidade disse que o pessoal que passou por lá falava engraçado, pareciam ser do estrangeiro. O padre falou que ira Inglês.
– O que isso quer dizer?
– Não sei, será que é sobre a inundação? – respondeu Cicero coçando o queixo.
– Olha um avião, nunca tinha visto por essas bandas, só em livro. – falou o menino Chiquinho mostrando no céu a aeronave que cortava as nuvens ao longe, seus irmão menores empolgadíssimos saltitando e apontado a estranha visão.
A matriarca agora saia de casa para se juntar aos seus familiares que encantados olhavam aquele curioso objeto metálicos viajar pelos céus. Em um determinado ponto, próximo as terras da família um objeto foi lançado de dentro da nave. Abrindo um paraquedas pouco depois da queda. Estavam todos hipnotizados por aquela aparição tão incomum ao cenário do agreste.
Então um grande brilho, seguido de cegueira completa. O som emitido era ensurdecedor, tão alto que você simplesmente deixa de ouvir e sente apenas o violento impacto reverberar no corpo. Raimunda recobrou a visão apenas para ver um mar de fogo envolver e consumir sua família. O tempo desacelerou e mesmo assim ela pode ver os braços e pernas magros de seus filhos menores queimarem mais veloz do que palha seca na fogueira. Viu a pele ser empurrada para longe dos ossos por aquela combinação demoníaca de fogo e vento. Viu seu marido se tornar um esqueleto vermelho, e o sofrimento por mais rápido que tivesse sido foi tão violento que ficou gravado na sua caveira. Depois da ironia do tempo de deixá-la ver o fim dos seus entes queridos, ele acelerou novamente para consumi-la, e então restou apenas o vazio.