RPG

Entrevista com Gustavo Brauner, um dos autores de Tormenta RPG

Confira o nosso papo com o PhD em Linguística, professor universitário e autor de RPG, Gustavo Brauner.

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Há mais ou menos um mês nós, fãs do cenário de RPG brasileiro Tormenta, fomos surpreendidos negativamente com o anúncio da Jambô Editora de que Gustavo Brauner, membro do Trio Ultimate de autores do cenário, não fazia mais parte da equipe criativa do mesmo.

Ainda tristes com a notícia, procuramos Gustavo para tirar satisfações, ora mais! Onde já se viu… saber um pouco mais da sua jornada de consumidor à autor de RPG, saber das fofocas dos bastidores sobre a sua saída e os planos para o futuro dentro do mercado.

De antemão, queremos registrar a nossa gratidão pela atenção dispensada pelo Gustavo que foi extremamente solícito em nos atender durante a sua viagem férias. Isso mesmo, o cara reservou um tempo das férias para atender seu público. <3

Então, vamos ao que interessa!


Multiversos: Das suas memórias mais antigas, quando e como foi a tua ligação com o RPG?

Gustavo: Eu sempre gostei de criar histórias. Meus brinquedos e brincadeiras favoritos sempre foram os que envolviam criar uma trama com heróis, vilões e aventura. Sempre havia uma história como eu via nos filmes, desenhos animados e histórias em quadrinhos.

Fora dos brinquedos, minha brincadeira favorita era simplesmente chamada de “aventura”: cada um era um “aventureiro” e inventávamos as histórias a partir daí. Singrar os mares como Sinbad, viajar pelo espaço como Luke Skywalker, se aventurar no mundo real como James Bond ou Indiana Jones… ou misturar tudo isso! A imaginação era o limite.

Mas eu lembro bem quando houve minha primeira ligação com o RPG. Numa noite, meu pai e eu estávamos assistindo TV (só existia TV aberta, na época) e passou um filme chamado Labirinto de Emoções (Mazes and Monsters, no original, depois traduzido como Labirintos e Monstros). Era um filme com Tom Hanks em que ele e outros jovens recém-chegados a universidade se aproximavam porque jogavam o mesmo jogo: RPG. E não era qualquer RPG, mas um jogo de fantasia medieval parecido com Dungeons & Dragons. Eu não sabia o que era D&D na época, mas já adorava fantasia medieval. E ver um jogo nesse estilo… Aquilo explodiu minha cabeça! Foi a primeira vez que vi fichas de personagem, mapas, miniaturas e até uma espécie de live-action, com os jogadores vestidos como seus personagens, explorando uma masmorra — minas ou cavernas próximas da universidade. A partir de então, comecei a tentar criar meu próprio jogo, inclusive desenhando mapas de regiões distantes e até de masmorras.

Algum tempo depois, no final dos anos 80 ou bem no início dos 90, descobri os livros-jogos da série Aventuras Fantásticas publicados pela Marques-Saraiva (hoje publicados pela Jambô com o título original Fighting Fantasy — quase todos traduzidos por mim) e foi uma loucura total. Meu primeiro foi O Calabouço da Morte (que traduzimos como A Masmorra da Morte, para evitar possíveis problemas de direitos autorais). Minha mãe me deu ele numa sexta ou sábado e passei o final de semana inteiro imerso na aventura. Uma exploração de masmorras clássica, O Calabouço continua meu livro-jogo preferido até hoje. Pouco tempo depois, em 1991, se não me falha a memória, conheci GURPS, ainda na primeira edição brasileira publicada pela Devir. Lá por 93-94, comecei a jogar AD&D, ainda na época dos importados ou xerox (não havia PDFs e internet na época), e o resto é história.

M: Em que momento o RPG passou de um hobby para um trabalho?

G: O Rafael [Dei Svaldi], irmão do Guilherme, editor-chefe da Jambô, e eu somos amigos faz muito tempo. Eu costumava ir até a loja para bater-papo. Um dia, ele me convidou para ir na DragãoFest RPG em São Paulo. Era um evento para comemorar a edição número 100 da Dragão Brasil (em 2003). Eu topei.

Na viagem, me enturmei melhor com o Guilherme Dei Svaldi e o Leonel Caldela, que eu só conhecia de um “oi” quando nos encontrávamos por aí de vez em quando (antigamente, Porto Alegre tinha alguns pontos fixos em que os RPGistas se encontravam para bater-papo e jogar e a gente se conhecia de vista).

Na época da DragãoFest, a Jambô estava publicando seus primeiros materiais de RPG. A equipe era o Rafael, o Guilherme, o Leonel e o André Rotta, primeiro tradutor da editora. Eu tinha me formado em Letras-Inglês pouco tempo antes e estava terminando o mestrado (em Linguística) na época. Com o meu background, acabei sendo convidado a fazer alguns trabalhos para a Jambô. Comecei como revisor, depois passei também a tradutor. Meu início no RPG foi nos bastidores.

Nessa época, eu também já conhecia o Ricardo e o Marcelo Wendell, os “Irmãos Mantícora”, que publicavam a revista D20 Saga. Quando eles se juntaram ao Trio original para fazer a DragonSlayer, me convidaram para escrever para a revista (lá por 2007). Fiz algumas resenhas e matérias diversas. Eu seguia com as revisões, mas já participava de algumas reuniões com o Trio e estava bem por dentro da produção de Tormenta, pois eu revisava quase todas as publicações.

Lá por 2008, a Jambô pegou a licença dos livros-jogos da série Fighting Fantasy. O Guilherme me convidou a traduzi-los. No finalzinho deste mesmo ano, o Guilherme avisou ao Leonel e a mim que o [Marcelo] Cassaro estava largando a DragonSlayer e perguntou se nós queríamos pegar a revista. Apesar de já trabalhar com RPG há tempos, acho que foi ao assumir a DS que minha carreira no RPG começou de verdade. Embora eu desse pitacos aqui e ali, foi a primeira vez que comecei a produzir RPG regularmente.

M: Quando você passou a integrar o grupo de criadores do Tormenta e qual a contribuição mais importante que você deu para o cenário, na sua opinião?

G: Oficialmente, acho que dá para se dizer que comecei a integrar o Trio (na época Sexteto) com a publicação do livro básico Tormenta RPG e de seu primeiro suplemento, Guerras Táuricas. Mas como eu mencionei, já participava de reuniões do cenário antes disso, inclusive dando pitacos e debatendo ideias — mas isso faz parte de como os Trios trabalham; todo mundo discute as ideias, dá dicas, faz sugestões. A mudança na liderança do Panteão, de Khalmyr para Tauron, se deu no Guerras Táuricas, mas era algo que vínhamos discutindo em conjunto, por exemplo. Acho que a forma como se daria a passagem do bastão foi ideia minha.

De lá para cá, acho que tive algumas contribuições interessantes. Plantei as sementes de uma Guerra Civil em Doherimm na Gazeta do Reinado. Eu tinha a intenção de publicar um livro só sobre Doherimm, sua Guerra Civil e todo o mundo subterrâneo e até convidei o Lucas [Borne, que escreve os Manuais], que adora anões, para escrevê-lo comigo e juntamos muitas ideias. Tomara que ele leve o projeto adiante, porque as ideias estavam muito legais. A Vingança Élfica foi uma das minhas contribuições que mais envolveu os fãs.

Eu escrevi os dois Bestiários. Batizei as raças de diabos e demônios de Arton — os rayrachay e os lacharel, trabalhando em cima de material original do Rogério [Saladino]. Neles também resgatamos alguns monstros antigos do cenário, introduzimos outros novos, deixamos monstros clássicos com a “cara” de Tormenta e, se você prestar atenção nas citações na descrição de cada criatura, há um monte de informações que enriquecem o cenário: de personagens e situações a títulos e características. Outro campeão de vendas com a minha participação foi o Manual das Raças, mas minha participação aqui foi mais limitada. Curiosidade: de acordo com o Guilherme, que é quem mantém a conta, eu sou o autor que mais esgotou livros de RPG de Tormenta na Era pós-Tormentão (de novo: contando apenas livros de RPG; se a literatura entrar na jogada, por exemplo, ninguém bate o Leonel).

Durante meu tempo como um dos editores e autores da revista DragonSlayer, escrevi quase todas as Gazetas do Reinado. Pode não parecer, pois eram apenas duas páginas, mas dava um trabalhão criar ganchos de aventuras, personagens, resgatar material antigo e esquecido e ainda manter um senso de progressão da história do cenário. Se você contar que isso foi da edição 24 até a 40 (de 2009 a 2013), então não foi pouca coisa, ainda que mexendo “apenas” com tramas “menores” do cenário.

Como editor, conduzi os trabalhos de Só Aventuras Volume 4. Mas meu grande orgulho é Mundos dos Deuses, do All-New, All-Different Trio Tormenta. Considero esse título um dos melhores de toda a linha, seja antes ou depois da Era pós-Tormentão. O Leonel [Domingos], o Álvaro [Freitas] e o Bruno [BURP Schlatter] são feras! Esperem muito mais coisas legais da parte deles.

Por fim, como jogador, introduzi Calamis em Tormenta, no stream da Guilda do Macaco. Calamis é o personagem com quem mais joguei RPG na vida. Ele logo se tornou o personagem de maior destaque, e dividiu a audiência entre aqueles que o adoram e os que amam odiá-lo. Acabou sendo muito mais importante do que qualquer um poderia imaginar, porque os fãs de Tormenta que simpatizam com elfos finalmente tiveram um personagem em quem se inspirar ou, pelo menos, por quem torcer. A última havia sido Niele, em Holy Avenger, mas mesmo ela havia morrido.

M: Depois de tantos anos trabalhando com o cenário, porquê desse afastamento agora?

G: Diferenças criativas.

M: O Gustavo Brauner escritor de RPG está se aposentando ou veremos mais produtos com seu nome, como Mega City? Quais os planos para o futuro?

G: De jeito nenhum! Não estou aposentado como autor de RPG de maneira alguma. Pretendo me dedicar a outros projetos, inclusive de minha autoria, e não falo apenas de Mega City. Quando decidi ser autor de RPG, o objetivo nunca foi ficar só como autor de Tormenta.

Junto com Tormenta, Mega City, apesar de seu escopo — supers, robôs-mechas-cyberpunk, lutadores, seres sobrenaturais, além de heróis “mundanos”, como Indiana Jones e James Bond —, é apenas parte disso. Tormenta RPG e 3D&T são bons sistemas, mas quero explorar regras de minha autoria, além de outros cenários meus — especialmente Eldenurin, de fantasia, e Invaders, meu cenário cyberpunk. Recebi algumas páginas-teste de diagramação de um novo projeto faz pouco tempo e elas estão lindas. Agora é enche-las de texto!

M: Seu trabalho com RPG continuará a sair pela Jambô?

G: A princípio, Mega City continuará a ser publicado pela Jambô.

Mas faz algum tempo que quero testar outros modelos de negócios e acho que este é o momento para colocar esses experimentos em prática.

M: Alguma mensagem para a galera que curte seu trabalho?

G: Apoiem os jogos, editoras e iniciativas nacionais. Abram-se também para jogos importados.

Saiam da sua zona de conforto e experimentem, abram as ideias para o novo e o diferente. Mesmo que não gostem, vocês pelo menos podem dizer que tentaram.

Enfiem, rolem os dados! Joguem muito RPG! E, principalmente, divirtam-se!


E é isso, pessoal. Nossos mais profundos agradecimentos, e sinceros votos de sucesso nas novas iniciativas, ao Gustavo!

Agora é esperar pelas novidades. Mas, sabemos que sempre virão materiais de qualidade garantida dessas mãos.


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