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Alphas | Heroísmo Imperfeito: Poderes, Responsabilidades e Desvantagens

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E se um herói tivesse TOC, depressão ou autismo? Os grandes poderes não vêm só com grandes responsabilidades, mas também com grandes problemas.

Superman e Mulher Maravilha são exemplos clássicos de heróis que atingem o que seria o ápice da perfeição. Quase deuses, não se vê neles mais do que leves traços de uma impulsividade ocasional, seu senso de justiça e sua bondade são mais fortes que qualquer debilidade que possam vir a ter. Batman, mesmo com sua personalidade sombria e seu passado traumático, consegue superar tudo isso e agir com normalidade.

Os super-heróis são vistos como pessoas que abraçam a grande responsabilidade de proteger o mundo das ameaças de todo tipo, com seus poderes incríveis, seus corpos moldados à perfeição e suas mentes extremamente afiadas. A maioria possui identidades secretas, vidas tão normais quanto eu ou você. Mas, ainda assim, perfeitas. É quase inumano (ou não-kryptoniano, se for o caso).

Na concepção original, heróis eram perfeitos!

Personagens perfeitos, cheios de poderes mas sem grandes defeitos além de um temperamento forte ou um senso de humor sombrio sempre foram o estereótipo do herói: alguém que supera tudo e que o maior problema é um vilão pegando no seu pé. São opostos perfeitos dos vilões cheios de crueldade, brutalidade e inteligência. Preto no branco, foi assim que tudo começou.

Mesmo com a exploração dos traumas psicológicos de Bruce Wayne e Logan ou com a paraplegia de Charles Xavier, pouco se falava de heróis com essas “imperfeições” (e as aspas nunca serão suficientes para essa frase). Era inadmissível que um herói tivesse distúrbios mentais, doenças psicológicas, deformações físicas ou qualquer coisa do gênero. Isso era coisa de vilão!

Um dos exemplos mais próximos de um personagem transtornado talvez seja o Batman.

Mas, nos últimos tempos, temos vivido uma crescente humanização dos personagens em séries, filmes, livros e quadrinhos. O público se tornou mais exigente. Ele quer personagens mais reais, mais próximos, personagens que podem se relacionar com aquilo que qualquer um pode passar. Ou, mais até. Queremos personagens imperfeitos. Queremos heróis que passem pelo que passamos todos os dias! Não queremos preto no branco, mas grandes tons de cinza, tanto para heróis quanto para vilões.

E, por mais que existam grandes complexos emocionais e físicos nos nossos personagens em produções recentes – por exemplo, os grandes transtornos do núcleo principal de How To Get Away With Murder e os traumas psicológicos sofridos por Sansa Stark em Game of Thrones –, existe uma série que eu gostaria de destacar.

Alphas iniciou em 2011 e teve duas temporadas antes do seu cancelamento.

Criada pela Syfy em 2011 (e cancelada após a segunda temporada em 2013), a pouco conhecida série Alphas foca nos pacientes do dr. Lee Rosen, um neurocientista que descobriu pessoas com pequenas alterações em sua estrutura biológica (principalmente em seus cérebros) que permite com que tenham grandes poderes, mas com extremas fraquezas. Rosen afirma que “toda habilidade alfa tem seu lado negativo”. E não são simples fraquezas como a kryptonita de Superman. São sérios problemas psicológicos.

São transtornos, doenças, síndromes e deficiências que afetam milhares de pessoas no mundo inteiro. Numa sociedade como a nossa, cheia de evolução e conhecimento, ter esse tipo de heroísmo imperfeito traz a representatividade a esse segmento de pessoas, tão comumente invisível diante de nossos olhos.

Alphas traz uma trama interessante. Com uma pegada forte de X-Men com uma boa parcela de neodarwinismo, os dois grupos de alfas se enfrentam numa guerra não somente física e cheia de habilidades, mas ideológica. Como Magneto e Professor X, a ideia de tratar normalmente aquele que possui habilidades além da nossa compreensão é o centro de toda a história. Mas os personagens possuem grandes dificuldades que normalmente não vemos nas telas. E aqui destaco alguns.

Gary é capaz de ler ondas eletromagnéticas. Exceto Nokia, que tem um protocolo diferente!

Apresentado logo no início do episódio piloto, Gary Bell é um alfa com a capacidade de visualizar e interagir com ondas eletromagnéticas ao seu redor. TV, rádio, internet, celulares, tudo isso é um livro aberto para ele, que com grande habilidade computacional aliada ao seu poder o tornam um membro indispensável do grupo de dr. Rosen.

Mas, como qualquer outro personagem da série, possui uma desvantagem: Gary possui um autismo grave. Sua rotina é extremamente importante e qualquer alteração causa nele uma perturbação que pode até impedi-lo de trabalhar. Tímido, antissocial, regrado e cheio das próprias manias, seu background é explorado levando em conta desde a sua relação com a mãe quanto com os colegas de trabalho. E o autismo é explorado de maneira sutil, delicada e absolutamente normal (como deveria ser).

Outro destaque é a personagem Anna. Capaz de compreender qualquer tipo de linguagem, Anna se comunica com perfeição e responde a isso sem nenhum erro. É sua habilidade alfa, uma Pedra de Roseta viva. Mas é severamente autista, ainda mais que Gary, com sua capacidade motora muito comprometida e é incapaz de falar normalmente. O brilhantismo da personagem está em organizar todos os pequenos sons que podia produzir em uma linguagem própria para interagir com computadores e assim se comunicar com as pessoas. É um dos grandes expoentes da organização criminosa Red Flag, um grupo alfa bem similar aos aliados de Magneto, embora muito mais extremista.

Cameron nunca erra um tiro!

Cameron Hicks sofre de depressão. Nina Theroux é cleptomaníaca. Skylar Adams é paranoica. Todos os personagens possuem qualidades e defeitos ligados à sua estrutura biológica. A série utiliza de ciência para justificar tanto as habilidades quanto as desvantagens de cada alfa e não para por aí: seus transtornos e debilidades são tratados tanto quanto suas habilidades ou até mais.

A abordagem do dr. Rosen com cada paciente é focado em seu lado humano, sua saúde emocional e seu bem-estar psicológico muito mais que em suas habilidades. São ferramentas poderosas para as missões que realizam e nas aventuras que vivem, dos sentidos aguçados de Rachel à força sobre-humana de Bill, mas são as desvantagens que os tornam tão próximos do público. Como diz a narrativa no início de cada episódio, são “pessoas comuns como eu e você”. Essa forma de tratar cada um humaniza o personagem. Foi como jogar uma revista de X-Men nas mãos de um psiquiatra e pedisse a ele que analisasse a mente dos membros do Instituto Xavier.

Imagine ser capaz de determinar todos os ingredientes com uma mordida?

Apesar de não possuir um final, já que foi cancelada após a produção da segunda temporada, é uma série que recomendo. Não possui grandes efeitos especiais, mas prova que uma boa história de ficção científica pode ser montada sem eles. É feita para divertir, com pontos positivos, algumas cenas de humor, justificativas científicas e boas cenas de ação!

Alphas é uma série que vai além de um grupo de pessoas com habilidades sobre-humanas prevenindo crimes que usam essas habilidades. É uma série que aborda as dificuldades do dia-a-dia de uma forma quase terapêutica. No fim, não é o superpoder que faz o herói, mas a superação das debilidades. Por mais clichê que possa parecer, é sobre isso que trata a série: superação, inclusão e uma boa dose de ficção científica!

Olha lá quem vai dar um like na postagem!

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