Editorial | Opinião
O FIQ das Mulheres
Publicado há
9 anos atrásem
O título desse texto é descaradamente roubado de uma fala de Sidney Gusman, editor das Graphic MSP, durante o anúncio da próxima leva de graphics, dentre as quais está “Mônica”, pela quadrinista Bianca Pìnheiro, autora de “Bear”.
Bianualmente acontece em Belo Horizonte o FIQ – Festival Internacional de Quadrinhos, o principal evento de quadrinhos independentes do Brasil, que reúne artistas de todo o país em cinco dias com palestras, oficinas, exposições, mesas de debate, sessões de autógrafos e stands de vendas. Esse ano (2015) ele ocorreu de 11 a 15 de novembro na Serraria Souza Pinto, espaço já tradicional do evento.
Além de todas as já citadas atrações, a mais interessante, no entanto, é a “mesa de artistas”, espaço ocupado por até 4 profissionais de forma que possam apresentar seus trabalhos ao público e outros interessados. Nessa edição do FIQ, mais de 122 mesas foram colocadas, tendo cerca de 2 a 3 artistas por espaço (em algumas, até 4), ou seja, uma média de 366 quadrinistas independentes, numa produção tão diversificada que ia desde cartilhas infantis a histórias de temática adulta, além da adição de outras mídias aos quadrinhos (como os jogos), numa infinidade de traços, textos e formatos diferentes – tanto em seus experimentalismos quanto em suas temáticas.
Algo bom nesses números é uma considerável (e surpreendente) melhora dessa produção. Se o FIQ de 2013 já apontava um certo profissionalismo na cena independente, em 2015 é preciso reconhecer que houve um amadurecimento dos produtores, o qual sugeria como um aprendizado formal que vai além do mero desejo de se fazer quadrinhos.
Nessa qualidade e infinidade, o grande destaque, por sua vez, vai para a produção feminina. Numa caminhada rápida pelas mesas era possível notar suas presenças como produtoras, analistas e leitoras da mídia, apresentando obras que abordavam a mais simplista e divertida rotina, medos e anseios biográficos, contos de terror e assombrações, seres mitológicos em aventuras de fantasia, exposição de suas ideologias, repressões e abusos sofridos, e conversas abertas sobre a própria sexualidade, só para citar alguns dos temas.
Engana-se quem imagina que a presença feminina lá soava como um mero “estar lá”, pelo contrário, parecia mais um frescor criativo dentro de um mercado saturado das mesmas ideias e ansiando por uma voz mais consoante com a época em que vivemos e com as mudanças que a sociedade tem passado. Assim, de forma inesperada para alguns, mas orgânica e historicamente aguardada para outros, as mulheres assumiram a fala de suas próprias histórias, trazendo uma forma de representação feminina muito mais condizente com aquela que elas mesmas viam todos os dias no espelho e que alguns círculos procuraram (ou ainda procuram) silenciar ou “invisibilizar”.
A própria diretoria do evento preocupou-se em dar mais destaque às mulheres, tendo uma artista do Rio Grande do Sul, Ana Luiza Koehler (autora da HQ Beco do Rosário), como curadora do evento e procurando fazer com que cada atividade pudesse ter um número maior de mulheres (ou igual) ao de homens na mesma atividade, ampliando essa voz feminina por toda sua programação. Rebeca Prado, autora do quadrinho Navio Dragão, comentou em uma de suas palestras (sobre Fantasia no Quadrinhos): “é muito bom estar em uma mesa que não é sobre ‘mulheres nos quadrinhos’” – procurando ressaltar a importância de mais presença feminina fora dos “nichos” as quais são colocadas.
Importante dizer que o FIQ culminou um anseio que já vem de muitos anos sobre representatividade e exposição feminina (como personagens e produtoras) nas HQs. Antes dele houve, ano passado (2014), o 1º Encontro Lady’s Comics, também em Belo Horizonte, e o [DES]Enquadradas, em Fortaleza. Ambos os eventos procuravam trazer uma luz sobre essas questões, partindo do ponto de vista das mais (obviamente) interessadas: as mulheres.
Diferente de ser uma mera “onda” do momento, o FIQ provou que a presença feminina nas HQs veio para ficar e já está sendo o fator mais relevante na mudança desse e de outros mercados – um catalisador para os próximos rumos necessários à linguagem e expressão artísticas e das mídias de massa.
Apesar da óbvia e gritante mudança em tão pouco tempo, falta ainda maturidade a certos produtores, bem como um senso de evolução social aos mesmos, que parecem insistir em arrastar à mídia a uma era que obviamente já acabou. Dessa forma, autores e empresas de entretenimento pop que não pensarem nisso, estão fadados a ficarem para trás não somente em termos de vendas, mas principalmente no gosto do público, e de um público específico que só tende a crescer.
Autor:Luís Carlos Oliveira Sousa
Imagens: Site nem um pouco épico, Pagina oficial do FIQ, A pagina da quadrinista Tombo Bê, Minas Nerds.