O primeiro livro da Trilogia Tormenta, de Leonel Caldela, apresenta a origem do maior inimigo do mundo de Arton, a Tormenta.
Me perdoem os que já conhecem a história, mas, para mim, é importantíssimo fazer a apresentação do contexto geral que nos levou à obra apresentada nesse texto.
Duas décadas atrás (como soa estranho dizer isso, cara…) o mercado brasileiro começava a ver um novo hobby surgir timidamente no meio da sua juventude, o RPG. RPG é a sigla para Role Playing Game, ou jogo de interpretação de papéis.
Evoluído dos War Games, tão famosos na década de 80, o jogo tem por objetivo a interação e união de um grupo com a finalidade de vencer um desafio proposto, por meio de criatividade e trabalho em equipe.
Para atender a demanda e direcionar esse, ainda pequeno, público surge aquela que viria a ser a maior, melhor e (por muito tempo) única revista especializada em RPG no Brasil, a Dragon, logo em seguida intitulada Dragão Brasil.
Poderia ter posto quaisquer edições da Dragão Brasil aqui, mas preferi por as primeiras que li. 🙂
Com um linguajar jovem, distribuição nacional em bancas e assiduidade, a Dragão Brasil fortaleceu e, em muitos casos, fez nascer núcleos de desbravadores do RPG por todo o país. Anos depois, já com um mercado mais consolidado, mas ainda crescente, a Dragão, mais uma vez, mostra por que marcou, e ainda marcaria, o mercado do RPG nacional. Em uma publicação especial comemorativa de 50 edições fomos apresentados “pela primeira vez” àquele que viria a ser o maior RPG do Brasil. Assim nascia Tormenta.
Capa da primeira versão de Tormenta, lançado junto a Dragão Brasil #50.
Tormenta surge como uma colcha de retalhos de várias matérias já publicadas na Dragão Brasil. Vilões, heróis, itens mágicos agora com sua história vinculada de alguma forma ao cenário, ambientações, leitores que escreviam à sessão de cartas se tornado NPCs (personagens não-jogadores) do cenário. Muita coisa conhecida. Tudo muito divertido. E um grande elemento novo…
Algo grandioso. Algo diferente. Algo que dava nome ao cenário.
A Tormenta.
Uma chuva vermelha e ácida, desconhecida e desordenada, que atacava os reinos de Arton, mundo onde se passam as aventuras do cenário. Nenhuma explicação. Apenas dúvida e incerteza quanto ao horror que destruía reinos.
E eis que, anos depois, muuuuitos anos depois, coube a Leonel Caldela desvendar o segredo da terrível tempestade rubra que assolava a mente dos amantes do cenário.
O autor trás, nesse livro, um fôlego de criatividade totalmente diferente do anteriormente concebido ao cenário. Se antes Tormenta era conhecido como um “mundo de RPG no estilo dos animes”, as coisas mudam de figura após O Inimigo do Mundo.
Capas da 1ª e 2ª edições. A 3ª edição retornou a capa original da 1ª. Clique na imagem e confira o primeiro capítulo do livro.
A trama se desenrola em torno de Glórienn, a entristecida deusa dos elfos, e, em paralelo, de um grupo de aventureiros — o Esquadrão do Inferno — em busca do Albino, o cruel assassino e de toda uma família. Como sempre acontece em Arton, os deuses estão a todo momento movendo as peças de seus tabuleiros e influenciando o destino do mundo. E, é claro que esses destinos se ligam em algo grandioso!
A construção do livro nos mostra uma Arton muito diferente da previamente apresentada nos livros do cenário de RPG, e bem mais condizente com a realidade de um mundo medieval, onde as viagens a pé ou a cavalo são dispendiosas e longas, onde ser aventureiro é muito mais do que apenas matar e pilhar monstros, é ter dilemas e dificuldades que podem ocasionar a morte do companheiro.
A deusa dos elfos, Glórienn, levando sua dor por onde passa.
Leonel Caldela nos presenteia com uma mágica abordagem da realidade. Mas, não é por ser realista que a magia está de fora do livro.
A fantasia, que é extremamente forte no cenário, está, sim, presente no livro. Desde as bênçãos rogadas aos deuses, até as ilusões na torre da maga Andaluzia, passando pelas armas mágicas dos heróis. E alguns dos itens mágicos são extremamente cativantes! Destaque especial para a dupla de espadas de Vallen Allond. *_*
Mapa não-oficial do Reinado de Arton, por Dan Ramos.
A escrita de Caldela é invejável! A condução da narrativa por diversos reinos do cenário; o equilíbrio ou, por vezes, a falta deste, no grupo; a diversidade das raças e povos de Arton; são primordialmente abordadas e explicitadas quando se faz necessário — para alguns em excesso, mas não faço parte desse “alguns”. O autor faz jus à alcunha de “Bernard Cornwell brasileiro”, como disse Eduardo Sporh, principalmente quando falamos das cenas de batalhas.
E que cenas de batalhas!
Temos em O Inimigo do Mundo uma oportunidade de contemplar a idade média e suas guerras de forma clara. A frieza das definições das “regras da batalha”, sendo tratadas pelos comandantes das tropas antes do duelo, o zelo e cuidado pelos seus “médicos” e a covardia presente no coração de alguns. A dinâmica da batalha é bem construída e até a sensação de que foi tudo muito rápido para os nossos olhos fica conosco após cada cena.
O Albino, Vallen e Elisa.
Uma trama envolvente, um mundo bem apresentado, um vilão odiável. Um grupo de aventureiros e seus mais profundos dilemas, amores e sacrifícios. O Inimigo do Mundo nasce como um livro baseado em um cenário de RPG mas faz com que até quem já se aventura há tempos nesse mundo se sinta em território inexplorado.
Se você conhece Tormenta e seus problemas, vale muito a pena a leitura!
Se você não conhece Tormenta, O Inimigo do Mundo também foi escrito pensando em você. Não há a mínima necessidade de conhecimento prévio do ambiente. Vale demais a leitura!
Se você não teve o prazer de ler algo de Leonel Caldela, é uma ótima oportunidade de começar e ver como um grande autor pode, sim, começar a carreira já com um grande livro… E olha que este é apenas o primeiro livro de uma trilogia, hein?!