RPG
Old Dragon | O Velho Dragão está de cara nova
Publicado há
7 anos atrásem
A edição aprimorada de Old Dragon chegou às mãos do Multiversos, e podemos garantir a vocês que está simplesmente incrível!
Para aqueles que ainda não se encontram habituados, Old Dragon é um sistema de RPG brasileiro, da Red Box Editora, criado nos moldes dos antigos RPGs, chamados “old school”, daí o seu nome. Sem os combos mirabolantes que vemos atualmente, mas com um conjunto pequeno de regras básicas que o mestre vai complementando conforme a necessidade da mesa, além de ter o elemento de habilidade do próprio jogador: a ficha não é um conjunto de números de caráter restritivo, mas, um auxílio para o personagem. Cabe ao jogador interpretar o que está querendo fazer.
“O livro é apenas um guia!”
– Tio Chan para seu aprendiz, Tohru.
Extremamente colaborativo (as licenças Open Game Licence e Creative Commons garantem isso) e simples de usar, o sistema ganhou força depois de ter sido classificado como desnecessário por uma resenha infeliz. A resposta da editora foi, simplesmente, um mês de descontos que levou os RPGistas à loucura. Afinal, quem não curte um bom desconto?
E a edição nova é simplesmente incrível! A diagramação bem feita e evidenciando o texto, a arte muito bem trabalhada e a linguagem bem fácil prendem o leitor logo nas primeiras páginas. Então eu convido vocês a pegarem seus equipamentos, prepararem suas magias e verificarem suas perícias. Vamos viajar pelos domínios do velho dragão!
Os atributos utilizados são os seis clássicos: Força, Destreza, Constituição, Inteligência, Sabedoria e Carisma. Mas suas jogadas são levemente diferentes que o que normalmente usamos. Em vez de testes de resistência, classe de armadura e testes de perícias, os atributos regem as jogadas de proteção, os bônus em talentos de ladrão, chance de ressurreição e idiomas adicionais, além de criaturas afetadas por sua influência. Além disso, indicam o valor máximo em uma jogada! Em vez das rolagens a que estamos acostumados, o valor do atributo define a classe de dificuldade do teste. O 20 natural é uma falha crítica!! E nas jogadas resistidas? Adicione o atributo inteiro em vez do bônus e seja feliz!! Os jogadores de Dungeons & Dragons e seus derivados talvez demorem um pouco para se acostumar, mas nada tão demorado.
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Exemplificando: O clérigo Jozan, a maga Mialee e a ladina Lidda são vítimas de um ardil e o mestre determina que devem fazer testes de Sabedoria, resistido por um feiticeiro maligno. Jozan possui Sab 15 e rola um 14 no dado, por pouco não falhando no teste. Seu resultado final é 29. Mialee, com Sab 13, rola 16 no dado e falha imediatamente, pois o valor do dado ultrapassou seu atributo. Lidda rola 11 no dado, o valor exato que precisava, pois possui Sab 11, obtendo um resultado 22. O feiticeiro tem Sab 12 e rola 11 no dado, com resultado 23. Assim, Lidda (por muito pouco) e Mialee são afetadas por seu ardil, mas Jozan fica imune, já que sua fé se provou mais forte que os truques de seu inimigo!
P.S.: os nomes são pura coincidência, ou não.
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E falando em personagens, nós muitas vezes acabamos definindo um personagem com três características. É muito comum vermos suplementos para mestres com microfichas em que se define a raça, a classe e o alinhamento (tendência). Em Old Dragon, o sistema é levemente diferente, mas muitíssimo interessante e até nostálgico para aqueles que jogaram RPG logo no início.
São quatro raças disponíveis para jogadores, as mais clássicas dos RPG de mesa: humano, elfo, anão e halfling. Cada uma recebe +2 em um atributo e –2 em outro, com exceção dos versáteis humanos que, como é típico, podem escolher onde colocar essas alterações. As caixas de texto resumem bem os traços de cada raça, com ilustrações belíssimas de dois aventureiros de cada uma. E uma caixa de texto chama muito a atenção de quem lê.
Muitos fizeram protestos a respeito, dizendo que os cenários estavam vendidos ao politicamente correto, que não havia necessidade disso e que os autores estavam usando artifícios apenas pelo dinheiro. Isso sem contar as opiniões homofóbicas e transfóbicas que, infelizmente ainda permeiam o meio nerd. Quero, no entanto, pedir que voltemos nossos olhos a uma questão simples: representatividade. Sem querer me aprofundar muito (pois já falei bastante disso AQUI), é importante que essas pessoas que fogem dos padrões de gênero e sexualidade se sintam representadas e um RPG mostrando o quanto isso é normal e que não afeta em nada um personagem, é extremamente importante. RPG é inclusivo, um lugar para se divertir e não importa quem você seja, você é tão normal quanto Luna Lovegood.
As classes de personagem são também quatro, assim como as raças: clérigo, homem (ou mulher) de armas, ladrão e mago. O grupo mais clássico de RPG. Cada uma possui uma série de especializações, concedendo habilidades conforme o nível e que lidam com o próprio conceito do personagem e sua interpretação.
O clérigo, o famoso sacerdote, possui duas habilidades básicas: suas magias divinas e sua capacidade de afastar mortos-vivos. O sistema lembra muito o antigo AD&D (afinal, é um RPG old school), com tabelas definindo o número de magias por dia e quantos mortos-vivos ele é capaz de afastar. Ele possui três especializações: o druida (dedicado a adorar a natureza em vez de uma deidade), o cultista (que adora a extraplanares do caos) e o caçador (dedicado a exterminar mortos-vivos). O Panteão para os clérigos é extremamente interessante, com referências às culturas egípcia e nórdica.
O homem de armas, que também conta com armaduras e escudos, é totalmente voltado para o combate. No entanto, as especializações podem mudar isso: o paladino se dedica a erradicar o caos e a maldade e possui bônus contra inimigos e a favor de aliados, o guerreiro ganha bônus em ataque e dano com suas armas e o bárbaro usa a selvageria para aumentar seus status de batalha.
O ladrão, também conhecido por ladino, é o especialista do grupo. Sua principal habilidade são seus talentos de ladrão: arrombar portas, detectar armadilhas, escalar, furtividade, punga (que muitos conhecem como ladinagem), percepção e o famoso ataque furtivo. Todas usam uma espécie de porcentagem para determinar seu sucesso. Além das três especializações – o ranger que patrulha os ermos, o bardo falastrão e o letal assassino – o ladino pode organizar sua própria guilda a partir do 11° nível!
Minha classe favorita, o mago, vem no caminho oposto ao do homem de armas. Avesso ao combate, é o principal conjurador do cenário e traz o componente erudito ao grupo. Além disso, é capaz de utilizar qualquer tipo de item mágico. Além de sua óbvia capacidade de conjurar magias, o mago em Old Dragon deve possuir um grimório, onde anota suas magias. Possui três especializações, dedicadas a três escolas de magia (para usar os termos mais conhecidos): o ilusionista, o necromante e o adivinhador.
Por fim, o alinhamento (que muitos chamam de tendência) é diferente do que aqueles que jogam Dungeons & Dragons e Tormenta estão acostumados. Em vez de dois eixos com várias combinações, aqui a briga é entre Ordem e Caos. Podendo ser ordeiros, neutros ou caóticos, deixam o eixo Bem-Mal numa espécie de zona cinzenta, em que o jogador e o mestre devem tomar cuidado com as ações. Muitas vezes, a Ordem que simboliza a honra pode simbolizar a tirania e o Caos regido pela liberdade também pode ser crueldade. A Neutralidade ignora a necessidade de seguir as leis da sociedade, embora sejam úteis, mas enquanto simboliza o pensamento livre de preconceitos ou compulsões, também pode sr a apatia e a indiferença. Algumas especializações (como o paladino e o necromante) exigem algum alinhamento específico e certos itens mágicos podem possuir alinhamentos.
Quanto às magias, Old Dragon as divide em duas classes: arcana (do 1° ao 9° círculo) e divina (do 1° ao 7° círculo), conjurada por magos e clérigos. Um ladrão que se especialize como bardo também pode lançar magias arcanas. As magias presentes no manual são talvez as mais clássicas e mais conhecidas (como Curar Ferimentos, Bola de Fogo e Mísseis Mágicos), sem aquelas que raramente vemos, como Arrancar o Coração d’O Livro Completo do Arcano (D&D 3.5) ou Gêiser do Manual do Devoto (Tormenta RPG). Além disso, todas elas devem ser preparadas diariamente.
Em vez de pontos de magia (PM) ou mana, os conjuradores possuem slots de cada círculo de magia que são preenchidos de acordo com seu nível e modificador de atributo (Sabedoria para clérigos e Inteligência para magos).
O sistema de Old Dragon vem repleto de regras opcionais para mestres. Distribuídas ao longo de todo o manual em caixas de texto, essas regras ajudam o mestre a deixar o jogo mais com a cara do seu grupo. Inclusive, deixar o jogo no estilo do grupo é a principal função do mestre nesse sistema. A Seção do Mestre (o capítulo 9 do manual), deixa bem claro que, como se trata de um RPG old school, o mestre não precisa decorar todas as regras, mas inventá-las na hora e improvisar muito. É um treino de criatividade, nem todas as situações conseguem ser previstas e um bom mestre deve ter o jogo de cintura e a mente rápida para se adaptar a isso.
“Cabe ao mestre, acima de tudo, abraçar o caos.”
– trecho da página 130
Enquanto as regras preveem a base de qualquer aventura, o mestre deve guiar seus jogadores no decorrer da trama. Para desespero dos mestres, o manual afirma que o jogador pode fazer tudo o que passar pela sua cabeça. Ou seja, o mestre que se vire. E não falo isso como algo ruim, mas um teste que um verdadeiro narrador/juiz/mediador/deus-supremo-do-multiverso passa tranquilamente. Se com jogos amarrados a mil regras os jogadores conseguem fazer cair uma cidade voadora ou ter o objetivo de destruir um reino inteiro (e isso é uma referência aos meus estimados jogadores), é melhor que o mestre vá se adaptando conforme o tempo passa, não? E, óbvio, loucuras significam riscos e muitas vezes não vale à pena.
Mestrar uma aventura de RPG old school é ser mais criativo que advogado de regras. Aqui, as regras só vão até certo ponto. Isso vale para qualquer RPG, mas nos old school é ainda mais verdade. Afinal, ninguém suporta um advogado de regras por muito tempo, não é verdade? Ou, talvez, eu seja mais caótico do que imagino.
O capítulo final de Old Dragon nos traz um bestiário com belíssimas ilustrações de cada monstro citado. E também três aspectos muitíssimo interessantes: moral, utilidades e sinergia. A moral mede o ânimo da criatura em permanecer em combate depois que o primeiro dos seus morre ou quando 50% de seu grupo tombar. Morais baixas indicam uma chance maior de rendição ou fuga. As utilidades apontam os vários usos que um monstro pode ter após ser derrotado, como uma couraça se transformando em armadura ou seus olhos como ingrediente de uma poderosa poção. Já a sinergia, e aqui eu parabenizo os autores por pensarem nisso, apresenta os monstros que podem ser utilizados em conjunto. Pode não ter nada a ver uma aparição agindo junto de um urso-coruja, mas um gnoll e um kobold trabalhando em conjunto não é incomum.
O manual termina com os apêndices. O primeiro, um belo resumo para criar um personagem em 10 passos, seguido de um glossário, um índice remissivo (por assunto/termo, em ordem alfabética) e um índice de magias.
Finalizo aqui com três elogios aos autores. Antes de mais nada, a arte deve ser elogiada. As cores e o traço muito bem feitos e o cuidado em expressar, nostalgicamente, o old school sem deixar de ser moderno é incrível! É realmente ver um manual antigo remasterizado. Em segundo lugar, deixo um elogio à diagramação. As informações ao longo das quase duzentas páginas não são simplesmente jogadas, mas, cuidadosamente colocadas, deixando um texto não apenas fácil de ler, mas prazeroso. E por último, meu elogio à Bia e sua elfa maga, a protagonista das caixas de texto laterais que ajudam a entender o sistema para os que o observam pela primeira vez.
Todas as artes usadas neste artigo foram retiradas, com autorização, do Old Dragon Edição Aprimorada, que você pode adquirir nas melhores livrarias ou diretamente na loja da RedBox Editora.
Normalmente descrito como um humano meio-abissal, Bardo 2/Mago 5/Universitário 6, Caótico e Trevoso.