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The Boys | Ácido, Corrupto e Subversivo
Publicado há
5 anos atrásem
The Boys é o mais novo sucesso da Amazon Prime. Adaptada das histórias em quadrinhos criadas por Garth Ennis e Darick Robertson, se passando num mundo onde os super heróis existem de fato, mas com um comportamento muito longe dos exemplos de altruísmo, nobreza, coragem e bondade que estamos acostumados. A figura do herói incorruptível serve apenas de fachada para esconder um comportamento vil, egoísta e depravado destes seres, em sua maioria condicionados aos desejos comerciais de uma gigantesca corporação.
Sinopse:
Depois que Hughie perde sua namorada morta numa ação irresponsável de um super, assombrado pelo fantasma da impunidade e pela sede de vingança, ele se une a Billy Bruto, Leitinho e Francês para deter os abusos desmedidos dos superseres.
De início é preciso dizer que a série segue a mesma premissa dos quadrinhos, promovendo algumas alterações que não comprometem a identidade e a essência da obra. Outras alterações servem para minimizar o impacto de algumas cenas de depravação ou de violência, que poderiam chocar demais em uma adaptação audiovisual.
A trama principal gira em torno dos Sete (o principal grupo de super heróis do planeta, regidos por mega companhia, a Vought) e do grupo que conhecemos como The Boys, e se movimenta conforme uma equipe reage às demandas da outra.
O roteiro se concentra em contar sua história, longe da proposta de definir heróis e vilões, ao contrário, emula como seria um mundo real com pessoas superpoderosas, que não conhecem nem um tipo de limite ético ou moral, que não se importam sequer com os efeitos colaterais de seus atos, que por trás de uma imagem de integridade difundida na imprensa e nas mídias sociais, esconde sua natureza corrupta. E nem mesmo aqueles que se opõem a eles carregam a chama da virtude, pelo contrário, abraçam a tendência maligna, individualista e predatória típica da raça humana, para mentir, manipular, matar, com uma falsa bandeira de livrar a humanidade dos tiranos superpoderosos, que serve na verdade para esconder o desejo destrutivo de vingança e um senso distorcido de justiça.
o roteiro é absolutamente direto ao discursar sobre temas delicados, como abuso sexual e consumo de drogas, além da manipulação de veículos de comunicação e de formação de opinião, entre muitos outros temas polêmicos que são abordados ao longo da série conforme cada personagem é melhor explorado.
A parte da história contada nesta temporada é, portanto, indigesta, mas não é complexa. Seus oito episódios atendem com perfeição o desenvolvimento da trama, que segue num ritmo uniforme, as subtramas existem mas são breves e, em sua maioria, pertinentes à condução da trama principal. Há, de fato, muita objetividade na forma como a história é contada.
Outro ponto muito relevante é a trilha sonora, cada uma de suas faixas é escolhida a dedo e, mesmo quando o tema parece não combinar com a cena, ele acaba por se revelar um elemento a mais para deixar a audiência ainda mais desconfortável com a cena mostrada. Aliás, motivos para isso não faltam. A violência é alta, as cenas de sexo não são em nada romantizadas, muitas delas trazem um contexto de perversão ou até mesmo de abuso.
Enquanto a história é contada numa linha de tempo presente, flashbacks do passado dos personagens nos ajudam a entender não só para onde a trama pretende caminhar como também nos permite executar uma viagem digamos, “bem desconfortável” pelas mentes perturbadas dos nossos personagens.
Longe de qualquer vertente que sequer lembre o conceito de heroísmo, os Sete são, ao mesmo tempo, uma paródia e uma crítica à natureza humana. Por exemplo, o Capitão Pátria (Anthony Starr está ótimo no papel, diga-se de passagem), o equivalente ao Superman deste mundo, não nutre quase nenhum traço positivo de humanidade, pelo contrário, faz sempre prevalecer seu poder submetendo a todos a sua vontade. Já o perturbado Profundo (Chace Crawford) o “herói dos mares”, na maior parte do tempo serve só de garoto propaganda para campanhas publicitárias, e ainda por cima, literalmente, fala com as criaturas marinhas, um dos pontos pelo qual o Aquaman virou motivo de piada e que na série rende momentos bizarros.
O Trem-Bala (Jessie Usher) o equivalente ao Flash, é o estopim para os acontecimentos da série e é também o mecanismo pelo qual o enredo discute racismo, consumo de drogas e a podridão do mundo das celebridades, que parece ter grande inspiração na construção da história de The Boys. Enquanto que o Translúcido (Alex Hassell) é a versão do Homem Invisível da equipe, e claro agrega toda a perversão ao senso de privacidade que este tipo de poder pode trazer. A equipe ainda tem o silencioso Dark Noir (Nathan Mitchell), digamos que a versão do Batman deste universo.
E é totalmente incorreto pensar que a equipe formada para frear os abusos desmedidos se assemelhe a heróis. Em sua maioria são pessoas obcecadas por seus desejos pessoais, ou mesmo consumidos por ideais como vingança, como Billy “Bruto”, de Karl Urban, e Hughie Campbell (Jack Quaid).
A diferença entre ambos é que em Hughie ainda existe o senso de justiça, de lealdade e o desejo de se fazer a coisa certa, que se tornará ainda mais forte depois de seu envolvimento com Luz-Estrela (Erin Moriarty), a mais nova integrante dos “Sete”, que simboliza a inocência da pureza e da virtude que um super-herói deveria ter, mas que se vê em meio ao oceano de indecências propagadas pelos “heróis” da série.
Quanto a Billy, é o exemplo clássico do personagem consumido pela vingança que vai, a qualquer custo, saciar seu desejo, independente do que isso possa lhe custar, inclusive a vida dos poucos que ainda são próximos a ele. Karl Urban em sua atuação entrega toda a intensidade necessária para dar veracidade à mente doentia de seu personagem.
Mesmo que a trama se concentre na demanda de Billy e do Capitão Pátria, os coadjuvantes recebem atenção, com arcos de exploração e de crescimento. Em especial o Francês (Tomer Kapon) além de Hughie e Luz-Estrela, detalhados acima.
O elenco ainda reúne nomes como Dominique McElligott, Laz Alonso, Karen Fukuhara e Elizabeth Shue, além de Simon Pegg, que funciona também como um grande easter egg dos quadrinhos.
A série faz diversas referências tanto a comportamentos da sociedade em seus meios culturais e até religiosos, como também a própria cultura pop, com menções a Matrix, Spice Girls e, claro, ao material original que deu origem a série. Ah! E tira sarro até do Universo Marvel nos cinemas.
Pontos negativos a série tem muito poucos em minha opinião: o primeiro é que considerando que estamos falando de um mundo povoado de super-heróis, falta a presença de mais seres dessa natureza na trama. Já o segundo se refere ao desfecho da trama e a maneira como algumas coisas são explicadas e apresentadas, que acabam por não fazerem muito sentido, ainda não foi nada que comprometesse minha experiência.
The Boys não estabelece o conceito de anti-herói, tão pouco é uma desconstrução do gênero de super-herói mas, sim, uma mutilação brutal, violenta e polêmica. Nos convida, sim, a refletir sobre a natureza e o comportamento humano, mas também diverte, e diverte muito. Respeita a identidade da obra original mas decide, desde já, seguir seu próprio caminho, e o faz muito bem, deixando uma expectativa muito positiva para uma segunda temporada que já está confirmada.
The Boys está disponível em sua primeira temporada, com 8 episódios, no Prime Vídeo, serviço de streaming da Amazon.
Conheceu os quadrinhos (que carinhosamente chama de Gibi) no fim dos anos 80 e deles nunca mais se separou. Gamer old school, ávido devorador de bons livros, amante da sétima arte, comentarista de rádio. Escreve para uma comunidade de cultura pop, e é o mais recente membro honorário do Conselho de Elrond.